T03 Ep14 O caso Liana e Felipe

 

O Caso








            Os caminhos de Liana Bei Friedenbach e Felipe Silva Caffé se cruzaram em agosto de 2003 nos corredores do Colégio São Luís, um antigo e conceituado colégio da cidade de São Paulo, que há 20 anos atras, ficava na Rua Haddock Lobo, quase na esquina com a Avenida Paulista.

 

            Felipe Caffé nasceu no dia 01º de julho de 1984, era filho de Lenice e Reinaldo, tinha 19 anos, estava no último ano do ensino médio e era bolsista na escola desde o começo de 2003. 

 

            Os pais dele se separaram quando ele tinha 12 anos e tanto ele, quantos seus dois irmãos mais velhos, Rafael e Sandro, ficaram morando com a mãe, enfermeira, no bairro Vila da Saúde na zona sul de São Paulo.

 




            O sonho dele era fazer a faculdade de Direito e passar em um concurso para delegado. Todos que o conheciam dizem que ele era um menino carinhoso, forte, destemido, muito apegado à família, esforçado, inteligente, trabalhador. Ele estudava a noite, porque trabalhava durante o dia e tinha sido chamado para uma entrevista na função de auxiliar de escritório para depois do feriado de Finados, entrevista essa que infelizmente, ele não pode ir. Felipe era corinthiano e apaixonado por futebol, que tentava jogar sempre que dava.

 

            Ele e os amigos costumavam acamparem e em uma dessas várias viagens para acampar, ele conheceu o Sitio do Lê, em Embu-Guaçu, que ele passou a ir sempre a partir dos 14 anos.

 






            A Liana Friedenbach nasceu no dia 06 de maio de 1987, filha de Ari e Márcia, que tiveram também um 2º filho, Ilan, que tinha 12 anos quando tudo aconteceu.

 





            Márcia era pedagoga e Ari advogado. Ele tinha um escritório na Avenida Angélica, no bairro de Higienópolis e a família morava no Jardins, um bom bairro na capital de São Paulo, de famílias de classe média alta.

 








            Eles eram judeus e a Liana fazia parte de uma organização judaica chamada Chazit Hanoar, um movimento juvenil educativo e apartidário que está presente não só em São Paulo, mas também no Rio e em Porto Alegre. A família era frequentadora da Congregação Israelita Paulista.

 







            Liana, tinha 16 anos e no 2º semestre pediu aos pais para estudar no período noturno do Colégio São Luís. Ela achava que seria melhor já que era mais ativa a noite e tinha outras atividades durante o dia. Ela fazia aulas de ginastica, inglês, malhava, era muito preocupada com o corpo e mesmo estando no 2º ano, já planejava prestar vestibular para Educação Física.  

 

            Ela era alegre, esportista, vaidosa, boa filha, boa aluna, amigável, carinhosa, cabelo loiro escuro, liso, olhos azuis, branca, magra, muito bonita.  A relação dela com a família era ótima, mas com o pai era muito próxima. Preocupado com a segurança dela, ele deu um celular, algo que na época era algo caro, de difícil acesso, mas que tanto ela quanto o irmão tinham e Ari sempre fala do quanto ela ligava pra ele durante o dia, seja pra avisar algo, fosse pra bater papo.

 












            Liana começou as aulas no São Luís em julho de 2003. Ia sozinha, mas o pai a buscava todos os dias. Até que, por volta de setembro, um rapaz alto, bonito, moreno, o Felipe, foi com a Liana até o carro dele a acompanhando. Ari perguntou se o rapaz era namorado dela e ela diz que ainda não. No dia seguinte, a mesma coisa, mas quando ela entra no carro diz ao pai que agora, Felipe era namorado dela.

 

           





            Mesmo um pouco preocupado, aquele era o primeiro namoro de Liana, ele ficou um pouco enciumado, mas aceitou o namoro. Felipe foi algumas vezes nas casas dos Friedenbach e claramente, Liana estava completamente apaixonada por ele, fica claro em cartas que eles trocavam, como essa:

 


 

            “Oi, meu amor! Tudo bom? Comigo tá tudo ótimo! Ainda mais agora que te vi. Incrível como em tão pouco tempo eu fiquei com tanta saudade! Como eu posso te amar tanto em tão pouco tempo? Nem eu sei... Não consigo acreditar. Você não pode gostar tanto de mim. Acho que eu não mereço. Eu não fiz nada de tão bom pra merecer alguém como você. Você é muito especial, fefucho! O que me deixa feliz é saber que com você eu não preciso me esconder ou fugir de nada, nem de ninguém.

            Como você mesmo disse: sinto que eu posso ser eu mesma, como eu nunca fui com ninguém. Mas pra me manter feliz você não precisa fazer nada. Basta continuar gostando de mim e me tratando bem, como você me trata. Me sinto uma princesa quando estou ao seu lado. Tudo o que eu tenho feito por você ou tentando... Bom, não importa, como eu já disse: com tanto que a gente esteja junto eu vou pra qualquer lugar!

            Com você eu vou até o fim do mundo. Nossa parece que a gente tá junto a muito tempo, né? Que bom, mas 1 mês é tão pouco, né? Quero estar com você pra sempre... Eternamente. Será que você me aguenta?”

 


           







 

            O feriado de Finados em 2003 cairia em um fim de semana e o casal, combinou de darem um jeito de ficarem juntos.

 

            A primeira ideia seria fazer um acampamento, que Felipe gostava e sempre fazia, com um grupo de amigos dele, mas um por um dos amigos foram desmarcando e os 2 resolveram irem sozinhos.

 




            Dias antes do passeio, Felipe conseguiu um trabalho extra distribuindo panfletos pra ganhar R$ 15 reais pra fazer essa viagem com a Liana.


            Ele contou a mãe que iria acampar e Lenice, a mãe dele, acreditou que era um acampamento como tantos outros que ele já havia feito, com amigos.

 

            Já Liana primeiro pediu a mãe pra viajar com o Felipe e alguns amigos para um sítio que seria de um tio dele. Márcia disse não e falou pra filha conversar com o pai. Ela não falou. Depois a história mudou. Liana avisou que iria para Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, com outros jovens do movimento juvenil em um encontro de jovens, o que não era algo muito incomum, ela sempre ia nesses encontros então os pais não viram problema. Porém, era uma mentira. Não havia encontro algum.

 





            Pra contornar o pai, que era sempre quem a levava até o ponto de encontro das excursões, Liana disse que o Felipe a levaria e eles já tinham combinado de que ele também a pegaria quando ela voltasse. Os pais acharam que não tinha problema e no dia 31 de outubro de 2003, ela saiu de casa. Os pais nunca mais a veriam viva.

 

            Liana e Felipe se encontraram na escola e foram para o vão do Masp, na Avenida Paulista, dormirem. De madrugada, foram para a rodoviária.

 





            Na manhã do sábado dia 01º de novembro, Ari passeava com o cachorro da família, o Toby perto de casa. Ele estava esperando pra ligar pra filha. As 8 da manhã ele liga. Liana atende. Ela diz que já estava dentro do ônibus de excursão, mas Ari acha um pouco estranho a falta de barulhos altos, vozes falando, uma certa bagunça de fundo que seria normal em um ônibus cheio de adolescentes indo pra praia. Ele indaga a filha sobre isso e ela responde que estava quieto porque ainda tinha muita gente sonolenta. Ele aceita a justificativa e deseja boa viagem. Foi a última vez que ele ouviu a voz da filha.

 





            Enquanto Ari voltava pra casa, Liana e Felipe viajam 2 horas até Embu-Guaçu, uma cidade da região metropolitana de São Paulo com 66. 970 habitantes de acordo com o censo do IBGE de 2022. Eles pararam pra comprar macarrão, água, biscoitos e leite em pó. Pegaram uma van até a Estrada do Belvedere, no caminho para o Sitio do Lê, entre Embu-Guaçu e Juquitiba. Até lá ainda era uma caminhada de mais ou menos 4,5km.

 

            O Sitio do Lê pertencia a um artista português chamado Manoel Espírito Santo. Por causa de uma briga familiar muitos anos antes ele mudou-se para a região. O lugar acabou virando um ponto de acampamento, porém estava abandonado.

 





            Manoel sofreu um roubo e uma tentativa de homicídio. Ele chegou no sítio no momento do roubo. Os bandidos atiraram nele, 1 dos tiros pegou no braço, na segunda tentativa, a arma falhou, então o atacam com um facão. Ele conseguiu escapar pulando pela janela. Moradores contavam que o assaltante era um menor que aterrorizava a região, o Champinha.

 

            Enquanto caminhavam pela estrada, com suas mochilas, Liana usando seu all star, bem-vestidos, animados pela experiencia, novamente caminhos se cruzaram. Assim como, dois meses antes, os caminhos de Liana e Felipe se encontraram nos corredores do colégio, naquela estrada de terra batida, os caminhos do casal se encontraram com os de Paulo César da Silva Marques, conhecido como Pernambuco e Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha.

 



 

            Paulo Cesar da Silva Marques era natural de Pernambuco, da cidade de São José do Egito. Ele não morava em Embu-Guaçu, mas no bairro Vila Prel em São Paulo, perto do Campo Limpo, Capão Redondo, Jardim São Luís.

 





            Andando por Embu-Guaçu procurando algum bico, Pernambuco pediu trabalho em uma loja. O dono deu a ele uma geladeira pra lixar e gostou tanto do trabalho que por R$ 10 o dia, o contratou pra pintar a casa dele que ficava na periferia de Embu-Guaçu, no bairro de Santa Rita.  Vizinho a essa casa, morava a família de Champinha.

 

            O Champinha, tinha 16 anos e 4 irmãos mais velhos: Juvenal, Gilberto, Juveni e Tamires. Dois homens e duas mulheres. Era filho de Maria das Graças Figueiredo Cardoso e Genésio Alves. Estudou até a 3º serie, que ele repetiu 3 vezes, era semianalfabeto e passa a maior parte do seu tempo na rua.

 

            O pai dele era aposentado por invalidez depois de sofrer um AVC. A mãe era dona de casa. Em 2003, quando o crime ocorreu, a família se sustentava com algo em torno de R$ 300, ajudados por dois irmãos que trabalhavam. Umas fontes dizem que um irmão ou era ajudante em uma fábrica de instrumentos musicais ou ajudante em uma firma de advocacia. A irmã, ou trabalhava como balconista de loja de bolsas ou era uma secretária. Ele era um ajudante de caseiro e ganhava uns R$ 150 reais por mês. Gostava de caçar tatu, pescar, beber, fumar e de dançar forró. Só que Champinha era conhecido por muito mais que isso.

 

            As pessoas tinham medo dele. Ele era agressivo, participava de um grupo de desmanche de carro, assaltava, amedrontava as pessoas. Até pessoas muito mais velhas que ele, o temiam.

 




            Em 2001, ainda com 14 anos, ele matou a facadas Liberato de Andrade, um homem com quem ele teve uma desavença. Isso aumentou a fama dele e o pavor que as pessoas tinham.

 

            Naquele sábado pela manhã, os dois, Pernambuco e Champinha, saíram para caçar tatu. Na estrada, viram Liana e Felipe. Foi Pernambuco quem se interessou primeiro por Liana e perguntou “Quem é a gostosa?”. Pelas mochilas e roupas, Champinha logo entendeu que eles não eram dali e só podiam ter ido acampar, pela direção que os dois iam, ele sabia exatamente aonde eles estavam indo.

 

            Pernambuco e Champinha pararam na casa de Antônio Caetano Silva, de 50 anos e ficaram na casa bebendo pinga até terem a ideia de irem atrás do casal para assaltar.

 

            Sem saberem de nada, Liana e Felipe montam a pequena barraca, comem algo e conversam, sem imaginarem o que aconteceria.

 





            O pai da Liana já estava um pouco preocupado. Durante o dia ele tentou ligar pra ela algumas vezes, mas o celular só caia em caixa postal. Por achar que ela estava na praia, tentou não se afligir muito e optou por não dividir sua inquietação com a esposa.

 






            No fim da tarde, começo de noite do dia 1º, Champinha e o comparsa chegam ao sítio do Lê e veem a barraca. Com o facão que levava pra caçar tatu, ele rasga a barraca enquanto Pernambuco grita para o casal acordar. Eles dizem que estão ali pra roubar. Segundo os depoimentos, Liana fala que a família tem dinheiro, Felipe diz que trabalhava, eles pedem que não façam nada. Na barraca, tinha uma garrafa de vinhos, que os bandidos bebem. Mesmo com os pertences deles, mesmo com o celular da Liana, Champinha decide sequestrar os dois e não leva nada.

 

            Tampam os rostos dos dois com suas próprias toalhas e os levam para o casebre, uma pocilga em que o Antônio Caetano morava.

 









            Felipe é colocado em um cômodo. Liana em outro. Já com os dois separados, Champinha entra onde Liana estava e diz pra ela: “Abaixa a calça que eu vou te comer.” Ele e Pernambuco violentam Liana 6 vezes naquela noite. Ela era virgem. Felipe no outro cômodo, provavelmente ouve o que acontecia com a Liana sem poder fazer nada.

 

            Alguns relatam que Felipe foi forçado a beber pinga pra ficar embriagado e sem conseguir se defender. Outros contam que os 2, atiçavam Felipe a brigar com eles. Sendo Felipe Maior e mais forte, acaba acertando os bandidos que depois o agrediam sem piedade.

 

            Pela manhã cedo, domingo dia 02, Champinha e Pernambuco saem da casa levando Felipe e Liana. Eles já estavam decididos a matar Felipe com uma espingarda que pertencia ao Champinha e Pernambuco levava na mão. Em um certo ponto, Champinha para com Liana enquanto Pernambuco segue com Felipe até próximo a um barranco. Com ele de costas, Pernambuco atira com a espingarda .28 na nuca de Felipe, o matando na hora. Sem defesa, sem uma palavra, sem pena.

 





            Liana ao ouvir o barulho alto pergunta o que aconteceu e Champinha diz que eles soltaram o Felipe para que ele pudesse negociar o resgaste dela. De alguma forma, ela sabia que aquilo não era verdade. Todos os envolvidos nesse crime, dizem depois, que nunca mais ouviram uma palavra sendo dita por ela.

 

            Logo após assassinar Felipe, Pernambuco vai embora para São Paulo e lá, pega um ônibus da viação Gotijo com destino a Pernambuco.

 

            Champinha volta com Liana para a casa de Antônio. Enquanto eles estão lá, um outro comparsa chega: Agnaldo Pires, de 47 anos.

 

            Quando chegou, Champinha contou que ele tinha sequestrado Liana, matado o namorado e já tinha comido ela e que se ele quisesse, podia comer também. Em depoimento, Agnaldo relatou que ele estava tão bêbado que ele a violentou, mas que não conseguiu gozar. Ele nunca ouviu uma palavra de Liana, um grito, ele nunca ouviu a voz dela. Naquela tarde e noite, ele, Champinha e Antônio, a estupraram diversas vezes. Ela era obrigada a ficar nua durante todo o tempo.

 

            Ari, vê o domingo se acabando e nenhuma notícia da filha. Ele resolve ir até a Rua Minas Gerais, local onde os ônibus das excursões sempre paravam para deixar alguns jovens. Estava tudo vazio. Sem pais, sem ônibus, sem ninguém. Ele liga pra melhor amiga da filha, que tenta enrolar a conversa, mas quando ele diz que ela estava desaparecida, a menina revela a verdade, que Liana na verdade tinha ido viajar com Felipe para Embu-Guaçu.

 

            Ele volta pra casa e com Márcia, a mãe da Liana, eles procuram na agenda telefônica de Liana, números dos amigos e informações sobre o Felipe como o endereço da casa dele. O filho mais novo, vendo toda a preocupação dos pais, começa a chorar e diz que ele sabia que a Liana tinha ido viajar com o Felipe e que ela prometeu ligar durante o fim de semana pra saber se os pais tinham desconfiado da mentira só que ela nunca ligou.

 









            Ari e um amigo vão para Vila da Saúde e batem na casa da mãe de Felipe, mas ninguém atende e eles vão direto para Embu-Guaçu.

 

            Eles imaginavam que os dois tinham perdido o ônibus pra São Paulo por alguma razão e estariam na rodoviária dormindo, porque já era quase madrugada do dia 03.

 

            Depois de passarem horas rodando o centro da cidade, ruas aleatórias e não encontrarem nada, eles voltam para São Paulo.

 

            Na segunda, os amigos aconselham Ari a abrir um Boletim de Desaparecimento na 4ª DP, no bairro da Consolação. Da delegacia, ele volta para Embu-Guaçu. Primeiro ele para na delegacia para contar sobre o desaparecimento da filha. Depois, sai com um amigo perguntando nas ruas se alguém a tinha visto, tentando descobrir pistas.

 






            Andando de um lado a outro, eles chegam até o motorista da van que levou Felipe e Liana até o ponto final na Estrada. O motorista conta onde deixou os dois, que chegou a perguntar o que aquela menina estava fazendo ali, que Felipe respondeu desconversando.

 

            Ari e esse amigo, acabam chegando no Sitio do Lê. Mesmo relutando, Ari acaba entrando e vê o chinelo da filha do lado de fora de uma barraca. Dentro dela, estavam todas as coisas da filha, mochila, roupas, celular, estavam as coisas de Felipe. Fora o corte obvio do lado de fora da barraca, nada parecia estranho, estava tudo arrumado, nada faltando.

 






            Em um sítio vizinho, eles ligam para a polícia contando que acharam a barraca. Uma viatura com 2 policiais vai até o local e um deles, comenta que aquilo parecia ser coisa do Champinha.

 

            A mãe do Felipe, dona Lenice, já estava por conta própria, andando com o seu filho que era soldado do COE, o Comando de Operações Especiais da polícia, nas trilhas de Embu-Guaçu procurando pelo filho.

 

            Quando o pai de Liana chega na delegacia depois de descobrirem a barraca, a mãe do Felipe já estava lá.

 

            O COE entra na operação de busca pelos dois. E, por uma infelicidade, eles chegam a bater onde ela estava, mas não entraram na casa.

 

Terça feira, Champinha muda Liana de lugar. Ele a leva até onde morava Antônio Matias de Barro, de 47 anos, que tinha um lugar perto de um lago. Ele diz a Antônio, que Liana era namorada dele.

 





Um empresário da região, que não se identificou, emprestou seu helicóptero para que Ari jogasse 10 mil panfletos procurando Liana por Embu-Guaçu. A imprensa começa a cobrir o caso, pessoas se mobilizam para ajudar nas buscas.

 

Naquela mesma tarde, Gilberto, irmão de Champinha localiza o irmão e avisa que a além da mãe estar preocupada com ele, a polícia tinha ido na casa deles o intimar a comparecer a delegacia. Ele vê Liana com o irmão, sem saber quem ela era. Champinha tinha mandado ela vestir um moletom com capuz que cobria quase todo o rosto dela. Ela não levantou a cabeça, não falou nada, não se mexeu. Era como se estivesse morta, estando viva.

 

No dia seguinte, Champinha leva Liana de volta para a casa do Antônio Caetano. Era dia 05 de novembro.

 

            Notando que o cerco se fechava, ele entende que estava na hora de sumir com Liana.

 

            Ele sai com ela dizendo que iria deixá-la em um ponto de ônibus ali perto pra ela ir embora, mas os planos dele era completamente diferentes.

 

            Próximo a um córrego, por trás, ele a ataca com uma peixeira. O primeiro golpe é no pescoço. Liana cai e com ela no chão, ele a golpeia diversas vezes, no braço, no peito, ela vira algumas vezes durante o ataque, ficando com cortes nas costas também. O cabo da peixeira bate com tanta força na cabeça dela que ocasiona um traumatismo craniano. Liana não teve nenhuma chance. Aos 16 anos, depois de 4 dias sendo estuprada por 3 homens nojentos, ela morria no meio da mata, sozinha com mais de 15 estocadas.

 





Champinha vai pra casa da mãe, troca de roupa, embrulha a peixeira na roupa suja de sangue e com um arame, amarra tudo e pendura dentro de um poço que fica perto de casa.

 





A irmã o acompanha até a delegacia. Ele é questionado se sabia do desaparecimento de dois jovens, vê as fotos deles, mas nega saber de alguma coisa e como a polícia ainda não tinha nada além de desconfiança, Champinha é liberado. Da saída da delegacia, ele vai para a casa de uma tia em Itapecerica da Serra, a uns 13 km de Embu-Guaçu.

 

As buscas continuaram por mais 3 dias sem sucesso. Um mateiro, um homem que trabalhava guiando turistas pela mata em trilhas, chamado Arnaldo Candido, liga para o número que Ari disponibilizou nos panfletos e pergunta se ele poderia ajudar a procurar os dois jovens.

 

            Mais tarde do mesmo dia, o mateiro liga novamente pra avisar que encontrou um homem bêbado falando alto algumas coisas muito estranhas. Ari pede que ele leve o homem para delegacia de Embu-Guaçu, só que, o delegado lá não queria muito manter o bêbado por lá. Ari então entra em contato com a DHPP na capital explicando a situação. O delegado da DHPP pede que o homem seja mantido lá na delegacia em Embu-Guaçu pelo menos até o dia seguinte, quando o efeito da bebida passasse. E foi a melhor decisão. O homem era Antônio Caetano que contou o que sabia e deu o nome de Champinha como o menor que tinha pegado os dois adolescentes.

 

            Um morador relatou para a polícia também que viu Champinha com uma menina perto de um sítio abandonado, mas só ligou uma coisa a outra quando viu o panfleto de procura-se.

 

            A polícia consegue localizar e prender Champinha na casa da tia. Ele passa um bom tempo sendo interrogado, mas demora até finalmente confessar. Porém ele confessa parcialmente.

 

            A primeira história que ele conta é que Felipe estava morto, mas Liana ainda estava viva com Pernambuco. Ele alegava que a motivação de tudo era roubo e depois tentar pedir dinheiro pra libertar os dois. Mas vamos lembrar que, nunca houve pedido de dinheiro, nada de valor do Felipe ou da Liana foi tirado da barraca.

 

            Era o dia 10 de novembro de 2003 pela manhã quando Champinha leva a polícia até o corpo de Felipe.  E ele só confessou que Liana estava morta também, horas e horas depois. Ele mesmo levou todos até o local onde ela estava. A justificativa para ter a matado? “Matei porquê tive vontade de matar.”

 

            Felipe estava distante uns 4 km do Sitio do Lê e o de Liana, 2 km separado do corpo de Felipe.

 

            Agnaldo foi o segundo a ser preso vez ele foi quem entregou os nomes dos 2 Antônio. Enquanto isso, a polícia fechava o cerco ao Pernambuco.

 

            Pra pegá-lo, a polícia de são Paulo com a polícia de Pernambuco montaram uma operação em conjunto e armaram uma blitz sanitária falsa pra interceptar o ônibus onde Pernambuco estava. A equipe que estava na rodoviária de Petrolina, na divisa com a Bahia, entra no ônibus da viação Gontijo e prende Agnaldo que estava na cadeira 37 no dia 13 de novembro. Eles obtiveram a informação da fuga com a esposa dele, mãe dos seus 3 filhos.

 






            Na versão dele, a intenção sempre foi roubar o casal. Ele confessou que atirou em Felipe e que estuprou Liana, mas que Felipe só foi morto porque Champinha queria ficar com a Liana, não porque ele não a família dele não teria dinheiro pra pagar algum resgate. Depois de matar, ele foi embora de Embu-Guaçu e na manhã do dia 04 ele foi para o Parque Arariba em São Paulo e fugiu com intenção de ir para a sua cidade, São Jose do Egito.

 

            Antônio Caetano foi preso. Antônio Martins também, a espingarda usada para assassinar Felipe estava escondida no banheiro da casa dele.

 





            Liana Friedenbach foi enterrada no Cemitério Israelita no Butantã e Felipe no Cemitério Vila Alpina no mesmo dia e horário, 11 de novembro das 2003 às 15 horas. Felipe foi enterrado com os amigos e família cantando Pais e Filhos do Legião Urbana.

 
















            Foi realizada uma reprodução simulada no local com o Champinha e o Pernambuco, do ponto onde eles pegaram Liana e Felipe, até a Fazenda Boa Esperança, casa de Antônio até os locais onde os dois foram assassinados.

 

            Por ser menor de idade, Champinha estava sob a égide do ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. Nós já conversamos sobre como o ECA avalia a punição de menores, mesmo eles tendo cometidos crimes hediondos ou cometidos atos criminais graves, lá no caso Castelo do Piaui.

 

            O ECA dispõe que o menor infrator só pode ficar internado por no máximo 3 anos, sendo a liberdade compulsória aos 21 anos. E justamente nesse ponto, começou no Brasil uma discussão política, social e penal, sobre o que fazer com menores que cometem crimes tão monstruosos quanto os de Champinha.

 

            Ele foi internado na Fundação Casa no Complexo Vila Maria.

 






            Os outros 4, seriam julgados pelo tribunal do júri.

 





            O pai da Liana a princípio, entrou para a discussão sobre a necessidade da redução da maioridade idade penal que era em 2003 e ainda hoje, é de 18 anos. Até os 17 anos, 11 meses e 31 dias, o infrator é punido pelo ECA. A opinião dele acabou mudando um pouco. Ari passou a defender a responsabilização do menor que comete crime hediondo ou crimes graves, independente da idade. O menor que comete crimes graves precisaria ser cumprir pena seja qual fosse a idade dele, não importando a idade, mas o crime. A redução penal daria margem para que, até um adolescente que cometeu crime de menor gravidade fosse punido mais severamente, o que ele não acha que funcionaria, mas o que mata, estupra, tortura, sim, precisa ser julgado pelo crime hediondo que cometeu e pagar por ele de forma justa.

 

            A justiça aceitou as denuncias contra Agnaldo, Paulo Cesar (Pernambuco) e os 2 Antônio. Agnaldo foi indiciado por estupro. Antônio Caetano foi indiciado por dois sequestros e estupro, Antônio Matias foi indiciado por 2 sequestros e favorecimento pessoal, Paulo Cesar foi denunciado por duplo homicídio qualificado, estupro, 2 sequestros, ocultação de cadáver, corrupção de menor, pela morte da Liana ele foi indiciado por homicídio triplamente qualificado e pelo do Felipe, duplamente qualificado.

 

            Os julgamentos acabaram por acontecer em momentos diferentes.

 

            O de Antônio Caetano da Silva, Agnaldo Pires e Antônio Matias de Barros, aconteceu em 18 de julho de 2006 na Câmara dos Vereados de Embu-Guaçu.  Juri composto por 6 homens e 1 mulher, presidido pela juíza Alena Cotrim Bizzarro, promotora Helena Bonilho Toledo Leite, assistente de acusação Andrea Zuppo Franco e os advogados de defesa eram Ricardo Casado, Armando Sampaio Resende Junior e Dorival de Moraes.

 

            As condenações foram lidas no dia 20 e todos foram condenados unanimamente. Agnaldo foi condenado a 47 anos e 3 meses. Antônio Caetano a 124 anos. Antônio Matias a 7 anos e 9 dias. Eles foram encarcerados no Centro de Detenção Provisória de Santo André e o de Pinheiros 2.

 






            Em 2006, portanto 3 anos após os crimes, o prazo para a internação de Champinha estava pra acabar. Mas o que fazer com ele? Um juiz da Vara da Infância, Trazibulo José Ferreira da Silva, decidiu que o melhor lugar seria enviá-lo para um manicômio judicial. E o imbróglio sobre o Champinha foi se arrastando.

 

            Em 02 de maio de 2007, Champinha fugiu da Fundação Casa com outro interno, escalando o muro de 7 metros com uma escada e ficou foragido por mais de 10 horas até ser recapturado.

 

            O mesmo juiz, depois dessa fuga, mandou que ele fosse então, para a chamada Unidade Experimental de Saúde, construída em 2006.

 

            Pra evitar que Champinha fosse solto, foi feito um improviso judicial, uma gambiarra como sempre se refere.

 

            O Champinha passou por algumas avaliações psiquiátricas. Na Fundação Casa o psiquiatra Paulo Sérgio Calvo o avaliou como tendo um retardo mental moderado, necessitado de presença de autoridade, que agia por impulsividade e que precisava de internação especializada. Laudo esse de 2004.

 

            Nesse mesmo ano, o IMESC, Instituto de Medicina Social e Criminológica de São Paulo, concluiu que ele tinha periculosidade latente por ser influenciável.

 

            A ideia da gambiarra foi de Wilson Ricardo Coelho, promotor do Departamento de Execução da Infância e Juventude na época. Baseando-se nos laudos psiquiátricos, ele pediu a suspensão da internação para uma medida protetiva de tratamento psiquiátrico com contenção e em sequência, uma interdição civil, usando como fundamentação, a Lei 10.216 que trata da proteção e direitos de pessoas com transtornos mentais. Laudos corroboravam que ele tinha um transtorno antissocial, um retardo mental, limitado intelectualmente, mas que sabia o que era certo e errado, só não ligava para as consequências.

 

            Claro que, esse caminho opcional escolhido, que é, deixá-lo preso não por uma questão penal, mas sim cível, causou discussões, como por exemplo o QI dele ter sido avaliado em 73 quando a lei brasileira considera deficiente mentais pessoas com QI abaixo de 70.


            Qual seria então a solução? A criada foi a UES. A Unidade Experimental de Saúde foi criada destinada a jovens que cumpriram medida socioeducativa e tiveram essa medida convertida para protetiva por serem portadores de transtornos de personalidade e serem altamente perigosos. Ela fica na Vila Maria em São Paulo ocupando uma área de 7.000m².

 

            Aos 21 anos, Champinha foi para a UES e como está interditado, sua custódia e responsabilidade é do governo de São Paulo.

 

            O julgamento do último adulto acusado aconteceu em 07 de novembro de 2007 em Embu-Guaçu. O júri de 4 mulheres e 3 homens, presidido pela juíza Patrícia Padilha, promotor Norderto Joia, assistente de acusação Andrea Zuppo Franco. Paulo Cesar tinha uma banca com 3 advogados de defesa.

 

            O julgamento demorou 2 dias, ele tentou mudar a sua versão dos acontecimentos se isentando de participação e dizendo ter confessado sob tortura no fim, ele foi condenado a 110 anos e 18 dias, por homicídio qualificado, sequestro, estupro e cárcere privado. Foi enviado para o Cadeião de Pinheiros.

 

            Lutando pela solução da culpabilidade de menores infratores, Ari Friedenbach entrou para a política. Sua primeira campanha em 2010 foi para deputado federal pelo PPS, mas com 85.281 votos, ele não conseguiu se eleger.

 

            Ele trabalhou na Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho após não se eleger além de continuar advogando em seu escritório. Na secretaria ele trabalhou em projetos como o do Selo Paulista da Diversidade para empresas e o projeto Pro Egresso para reinserir no mercado de trabalho, ex presos.

 

            Em 2012 ele consegui se eleger vereador em São Paulo com 22.597 votos. Depois do fim desse mandato, ele não se elegeu para cargos públicos novamente.

 

            O Ministério Público pediu o fechamento da UES alegando ser ela, ilegal. Na época estavam nas casas que existiam para os internos da UES, um homem de 27 anos preso por latrocínio, 2 pessoas, de 23 e 24 anos presas por homicídio, o Champinha com 26 anos, e outros 2 homens, de 24 e 27 anos, presos por estupro e homicídio. Por unanimidade o STJ decidiu manter Champinha na UES.

 

            Ele já impetrou diversos pedidos de sair, todos negados.

 

            As discussões sobre o que fazer com ele continuam como a 20 anos atrás. Vira e mexe reportagens filmam como é a casa do Champinha dentro da UES, com refeições prescritas por nutricionistas, casa decorada, com tv, horta, academia.

           





            Atualmente, Daniel Adolpho Assis do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente tornou-se advogado de Champinha gratuitamente.

 

            Ano passado, 2023, no fim do ano pra ser exata, foi realizada uma tentativa de transferência dele e outros pacientes da UES sem autorização judicial que acabou sendo um fiasco. Ele já está lá há uns 17 anos e o problema, o que se alega ser um problema é que, já foi determinado que tanto ele quanto os outros internos de lá, recebessem tratamento psicossocial e isso lá não existe, já que a UES é o que os juristas chamam de limbo. Um lugar que nem é um hospital psiquiátrico e nem um presidio.

 





            Dos 4 adultos condenados, Agnaldo Pires e Antônio Caetano já estão em progressão de regime. Antônio Matias já cumpriu a pena integralmente. Paulo Cesar solicitou a progressão de regime em 2021 e foi negado.

 

            O Dr. Guido Palomba, psiquiatra forense, defende que Champinha sofreu uma hipoxia cerebral ao nascer o que contribuiu para o seu comportamento criminal, além de histórico de pessoas com transtornos mentais na família, como a avo dele, que tinha problemas psiquiátricos.

 

            O avô paterno de Liana morreu 3 meses depois da sua morte, sem que ninguém esperasse ou soubesse que ele estava doente. A avó materna faleceu 2 anos depois.

 

            Ilan, o irmão mais novo, passou 2 anos no Canada fazendo um intercambio pra ficar longe. Ele engordou demais, passou por uma fase de culpa muito grande.


            Um ano depois da morte da Liana, o apartamento da família foi invadido e eles rendidos com armas na cabeça enquanto eram assaltados.

 

O casamento de Ari e Márcia não aguentou e terminou. Ari depois se casou novamente.

 

Fato curioso é que, eu disse que Felipe era acostumado a ir acampar nesse sítio há anos e a mãe dele contou, que em uma dessas idas, ele chegou a jogar futebol com o Champinha. Sabe quando se junta uma galera conhecida ou que tá ali por perto e jogam? Por um acaso do destino isso aconteceu com eles.

 

Também um fato curioso é que, a Hebe foi investigada por causa desse caso. No programa dela no SBT, que foi ao ar no dia 17 de novembro de 2003, ela disse que queria entrevistar o Champinha armada e que ele não sairia vivo da entrevista. O MP pediu a filmagem para investigar se ela não estaria cometendo o crime de incitação a violência. Ela depois veio publicamente pedir desculpas.

 

Outro fato curioso é que a mãe do Felipe, processou em 2019 duas produtoras. A Columbia Tristar Filmes, responsável pelo canal AXN e a Medialand, a produtora da Carla Albuquerque, que fez os programas Anatomia do Crime, Investigação Criminal, programas acompanhando o dia a dia de policiais de São Paulo. Ela abriu o processo depois de fotos do corpo do Felipe serem exibidos no episodio sobre o caso do Investigação Criminal. Ela pediu o valor de R$ 300 mil reais em indenização. O juiz da 3ª câmara de justiça deferiu uma parte do processo e condenou as duas produtoras a pagarem conjuntamente R$ 40 mil reais a ela e retirar as fotos de Felipe do programa.

 

 







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