T03 Ep04 O caso Bodega

 O Caso






    O caso da Escola Base, fazia 2 anos e 5 meses que tinha acontecido e novamente, a imprensa tinha um imenso papel em mais uma injustiça promovida pela policia de São Paulo.

 

 




     No dia 10 de agosto de 1996, no bairro de Moema, um dos bairros mais nobres e sofisticados da cidade de São Paulo. Cercado pelo parque Ibirapuera, de restaurantes sofisticados, ruas arborizadas. E entre os diversos restaurantes internacionais e bares badaladíssimos, existia o Bar Bodega, de propriedade dos atores Tato e Cássio Gabu Mendes, e do tio deles, o tambem ator, Luiz Gustavo.

 





     O Bodega era localizado em um local de baixa periculosidade, frequentado por jovens de classe media alta e muito badalado na região.

 

     Por volta das duas e meia da manha, 5 homens chegam ao bar.

    

     Dentro do bar, havia em torno de 20 clientes. Três homens entram juntos. Ninguém desconfia de nada ou nota algo diferente.

 

     Os dois que ficaram do lado de fora, rendem o segurança, Vivaldo Olimpio da Costa e os manobristas, que estavam todos na calçada.

 

     Vivaldo é levado para os fundos do bar.

 

     Um dos assaltantes vai direto ao caixa e pede tudo que tinha. Dois, começam a pegar as coisas dos clientes, como cheques, joias, relógios e até um bip. O bip, um dos outros assaltantes acabou se arrependendo de pegar e devolveu ao dono.

 

     O homem que parecia ser o líder do grupo, ordena que o segurança espere meia hora para ligar para a policia, senão eles voltariam lá e matariam todo mundo da próxima vez.

 

     Um cliente, Milton Bertolini Neto, que estava no banheiro sem saber do que estava acontecendo, dá logo de cara com um assaltante armado. O homem pede que ele passe o relógio. Nervoso, ele não estava conseguindo tirar, o assaltante, na ânsia de conseguir o objeto, tambem atrapalhou-se e o revolver disparou, atingindo o braço do Milton. Todo mundo no bar entra em desespero.

 

     José Renato Tahan, dentista, 25 anos, entra no bar, distraído. Se depara com o caos. Um revolver é apontado pra ele. Ele é agredido. Chega a discutir com um dos assaltantes e cai ao chão. Ao tentar se levantar é atingido com 2 tiros nas costas. Ele fica caído entre as mesas, assassinado.

 




     Os 5 homens, começam a sair do bar, um deles se vira para dentro do bar, já na calçada e atira. O tiro entra pela janela e atinge a estudante de Odontologia de 23 anos, Adriana Ciola.





     Foram levados R$ 4.100 em dinheiro e bens dos clientes.

 

     O crime torna proporções imensas. No dia seguinte, estava em todos os jornais jovens são assassinados em bar de São Paulo. E em um bairro onde aquilo não acontecia.

 




     Cléverson Almeida de Sá, perdeu a mãe aos 4 anos, assassinada pelo ex companheiro, com 5 tiros nas costas. Ele e a irmã mais velha, acabaram indo morar com o pai.

 

     O pai, seu Gilmar, já tinha se casado novamente, com dona Rosa e tido uma filha, Gisele. Ele adorava a madrasta, mas não conseguia controlar sua necessidade de ser rebelde. O pai sempre batia e ele sempre aprontava. Um dia, a tia denunciou Gilmar por maus tratos. Depois disso, Cléverson foi expulso de casa.

 

     Aos 14 anos, durante um assalto a carro, ele e outros 3, acabam matando o motorista, Fernando Soares Martins. No dia seguinte, foi preso. Ficou 3 anos na FEBEM. Saiu em 1996, aos 17 anos.

 

     Em agosto, Cléverson e um amigo chamado Chiquinho foram assaltar um Voyage, Eles entraram no carro, Chiquinho tomou a direção e colocaram o motorista no banco de trás. Porem, não se locomoveram nem 2 km. Chiquinho perdeu o controle do carro, capotou. Ele conseguiu correr e fugir. Cléverson não. E para o azar deles e sorte do motorista, uma patrulha da PM passava e o prendeu.

 

     Ele foi levado para uma delegacia na zona sul de São Paulo. Ele deveria ser encaminhado para o SOS Criança, só que enquanto estava na cela esperando na delegacia, um carcereiro perguntou se ele não era o cara do Bar Bodega. Ele, disse que não sabia o que era Bodega. O carcereiro saiu e quando voltou, estava com a delegada Marina Abigail Schmidit Carreira. Ela tinha um papel na mão. Olhou para o papel, um retrato falado e olhou para Cléverson e disse que era ele.

 

     Imediatamente ele foi tirado da cela sob socos. E cada vez que negava saber do que se tratava, mais apanhava.

 

     O colocaram dentro de uma viatura. Só no caminho percebeu que estavam indo para a casa da madrasta dele. Na casa, estavam a dona Rosa, Andreia, sua irma mais velha e Gisele, sua meia irma de apenas 7 anos.

 




     A policia revirou a casa, sempre perguntando sobre o resto da quadrilha.

 

     Cleverson foi levado de volta a delegacia, mas aquela não seria a primeira vez que a policia o levaria até em casa. Eles ainda voltariam, para procurarem a arma do crime, que nunca foi encontrada.

 

     Na delegacia o adolescente é posto em uma sala, pendurado e espancado. Eles mandavam que confessasse e quando pegaram um pedaço de sarrafo e ameaçaram colocarem no anus dele, Cleverson desistiu de continuar negando. Os policiais foram o direcionando e ele falando sobre como assaltou o bar, onde nunca havia ido.

 

     O latrocínio completava 15 dias quando a policia avisou a imprensa que tinha pego um dos assaltantes.

 




     Toda a imprensa só falava disso. Era capa em todos os jornais, a principal noticia nos telejornais. Era o caso perfeito para o extinto Aqui Agora e para o Cidade Alerta.

 




     O Diario Popular chega a comparar os crimes de São Paulo com a guerra da Bósnia.

 

     Surge o movimento Reage, São Paulo, criado pela tia de Adriana Ciola, Albertina Dias Café e teve apoio de diversas instituições, como a Fiesp, Federação das Industrias do Estado de São Paulo e da Hebe, do rabino Henry Sobel além de diversas personalidades relevantes de São Paulo. Além da resolução do caso, o movimento pedia aumento da policiais civis e a alteração da idade penal.

 




     Além de confessar ter cometido um crime que ele desconhecia, Cléverson deu a policia o nome de um rapaz que tbm estaria envolvido. Valmir. Ele conhecia um Valmir de vista e não hora, foi o primeiro nome que ele lembrou. Valmir do Jardim Mituzi, em Taboao da Serra.

 

     A policia foi até lá. Começa a perguntar onde morava Valmir. Uns falavam de um Valmir que morava na Rua Dolores Romero, outros, de um Valmir que morava na Rui Barbosa.

 

     Prenderam os dois.

 

     Os dois Valmir eram pobres, jovens e da periferia de Taboão da Serra.

 

     O Valmir da Silva sempre quis carreira militar mas não continuou por falta de dinheiro. Ele ajudava o pai na funilaria e era voluntário em uma escola.

 

     O Valmir Vieira Martins ajudava o pai na feira 4 vezes por semana. Seu sonho era ser jogador de futebol. Parou de estudar aos 14 anos. Estava trabalhando como repositor em um supermercado. Tinha 20 anos.

 

     Ambos foram espancados. Valmir da Silva era epiléptico e enquanto apanhava, tentava avisar que era doente, mas só piorava. A cada tentativa, as agressões ficavam mais intensas.

 

     Depois de muitos socos, choques elétricos.. ele confessa tudo. Diria o que eles quisessem. Ele dá outro nome a policia, Luciano.


     Uma viatura foi buscar Luciano. Valmir o conhecia tambem de vista. Luciano já tinha praticado alguns roubos, inclusive com Cléverson, anos antes.

 

     Luciano passou pelo mesmo processo. Recebeu choques, apanhou com um pedaço de pau. Chorou. Os policiais o estupraram com o mesmo pedaço de pau que bateram. E ele não confessou nada. Até que ameaçaram começarem tudo de novo se ele não abrisse o bico. Desistiu, falaria o que eles queriam, que estava envolvido no caso Bodega.

 

     Enquanto isso, Cléverson dá outro nome: Natal.

 

     Natal Francisco Bento dos Santos era pedreiro, mas estava desempregado há 6 meses. Já tinha cometido 2 assaltos com Cléverson. Depois de detido, foi torturado 4 vezes, levado para 2 delegacias. Mas mesmo com toda violência, Natal não falou nada.

 

     A Policia civil marca uma coletiva de imprensa para apresentar os presos do caso Bodega.

 

     No dia 26 de agosto, antes de apresentarem os presos, Valmir da Silva, Luciano, Natal, Valmir Vieira e Cléverson, que ficou de costas,  todos foram avisados


" O que acontece numa delegacia, morre aqui mesmo, ou se ferra quem abre a boca, ta entendido?” 






 

     Vários repórteres faziam perguntas uma por cima da outra. Valmir Vieira disse que todos os que estavam ali, confessaram porque apanharam muito. Ninguem ouviu.

 

     Vivaldo, o segurança, que viu 3 dos 5 assaltantes e de perto, se prontificou a ajudar na investigação. Quando foi chamado para identificar os detidos, falou que não os reconhecia. O Natal ele até conhecia, era um ex vizinho, mas os assaltantes não eram pretos e ali só tinham homens pretos.

 




     Sem esperar por aquela reação, Vivaldo passou a ser acusado pela policia de participante da quadrilha, já que se recusava a reconhecer os detidos e insistir de que não eram eles. Ele apanha dentro da delegacia com uma prancheta. No fim, acaba sendo liberado.

 

     Ele liga pra um amigo policial, o soldado Ismael do Nascimento Santos, da equipe Tático Movel e conversa com ele sobre os presos apresentados na coletiva. Não eram aqueles os culpados. Ele tinha certeza.

 

     O Ismael falou sobre aquilo no batalhão, para o comandante e para o sargento Borges de Souza, que era da equipe de P2 da PM, o serviço reservado. Foi o sargento Borges que começou a investigação sigilosa.

 

     A P2 recebeu informações de que um grupo que andava na região do Glicério, um pequeno sub bairro entre a Liberdade e a Sé, estava muito estranho desde o assalto ao bar e a repercussão do caso. Uns tinham saído de São Paulo, outro vendido do nada o carro que tinha, outro mudado o cabelo, descolorido.

 

     Uma noite, na porta de uma casa de shows, Vivaldo e Ismael conversam. Vivaldo vê o cara que descoloriu o cabelo passando perto e aponta para Ismael, avisando que aquele era o assaltante.

 

     Ismael comunica ao comandante que, faz a notificação ao Ministério Público. Sabendo do que estava acontecendo, o procurar Luiz Antonio Guimaraes Marrey, passa o caso para o promotor Eduardo Araujo da Silva.

 




     A informação repassada pela policia era de que, as vitimas do Caso Bodega tinham reconhecido os presos. Mas não era bem assim.

 

     Os reconhecimentos que a policia afirmava terem feitos eram baseados em porcentagens. Um disse que tinha uns 60% de certeza, outro uns 30%, outra achava que era 20%, fora os que não reconheceram nenhum com 100% de certeza. Com exceção de 1 manobrista, que reconheceu Valmir vieira sem sombras de duvidas porque as olheiras dele eram iguais ao do assaltante.

 

     Com exceção dele, todos os outros eram muito convictos de que não eram aqueles homens presos, os mesmos que entraram no bar.

 

     Mas disso, a imprensa não sabia.

 

     O tema sobre a maioridade penal voltou a baia. Cléverson era menor de idade portanto, não seria preso e isso reacendeu a discussão que até hoje não terminou.

 

     Os moradores de Moema começam a campanha para que o governador Mário Covas aumente o policiamento do bairro, caso contrário, perderia os votos deles.

 

     Após uma visita ao irmão, Andreia denuncia na Corregedoria da Vara da Infância, as torturas que o irmão estava sofrendo, além de estar preso ilegalmente em uma delegacia. Cléverson é levado para o SOS Criança. Mas antes, dá a policia outros 4 nomes, sob tortura. Marcelo Nunes Fernandes, de 24 anos, Marcelo da Silva, de 24 anos tambem, Jailson Ribeiro de 23 e Benedito de Souza, de 23.

 

     Presos, nenhum dos 4 confessa. Todos foram torturados. Marcelo Nunes Fernandes passou a ser apontado como o líder da quadrilha (antes era o Cléverson) e tambem, chamado de Marcelo Negão, mesmo tendo pele mais clara.

 

     A policia insistia que as vitimas tinham reconhecido os agora 9 acusados, Marcelo foi reconhecido por Milton, por exemplo, segundo a policia, o que não aconteceu.

 

     O assassino de José Renato era primeiro o Cléverson, depois o Valmir da Silva, depois o tal Marcelo Negão.

 

     O assassino de Adriana era o Cléverson, depois Natal, depois Valmir da Silva.

 

     O relato das vitimas, todas, sem exceção, era de que 5 homens entraram no bar Bodega naquela madrugada do dia 10. A policia tinha prendido 9.

 

     O caso teve um viés politico envolvido. O mandato do prefeito Paulo Maluf estava acabando e ele queria eleger como sucesso Celso Pitta, então o caso Bodega foi usado tanto por eles, para provar a eficiência da policia civil de São Paulo, quanto pelos adversários, tentando mostrar como a violência vinha aumentando na cidade.

 

     As vitimas sobreviventes, já estavam nervosos sem entender nada o que estava acontecendo. Estava tudo confuso e ninguém explicava nada.

 

     O promotor Eduardo Araujo, com 29 anos na época, procurou as famílias dos 9 presos para conversar. Todas relutaram em falar com ele. Depois, ouviu os próprios presos. Cléverson confirmou que estava no assalto, mas as informações de que como tudo aconteceu, onde o José Renato foi atingido, não condiziam. Ele afirmava que atirou em José Renato e o matou quando ele saía do banheiro mas ele foi morto entre as mesas quase na entrada do bar. Quem levou tiro perto do banheiro foi Milton, que ficou vivo.

 

     Informantes da P2 avisam sobre boatos de um sujeito chamado Basto e que ele era o assaltante do Bodega. Um taxista contou que uma mulher, tambem taxista, chamada Salete, tinha sido a que levou os bandidos até o bar. Era Zeli Salete. Outros envolvidos eram um homem conhecido como Alemão, e um outro que chamavam de Chicão.

 

     A imprensa condenou os 9 presos antes de qualquer julgamento. Só ouvindo o que a policia falava sem se preocupar em verificar a veracidade das informações, Uma colunista da Folha na época, Barbara Gancia, escreveu sobre o caso que eles eram veneno sem antídoto, nenhum presídio recuperaria aqueles répteis da natureza. A vontade de qualquer pessoa normal é enfiar um cano de revólver na boca daquela sub-raça e mandar ver”

 




     E toda a cobertura jornalística seguia o mesmo ritmo. Nem o fato de terem mais presos do que assaltantes, pareceu não fazer diferença a imprensa.

 

     Foi marcado uma reprodução simulada no Bar. Cléverson não foi. Natal, Luciano, Valor Vieira se recusaram a participar. O Valmir da Silva foi o único a descer do camburão. O promotor acompanhava tudo a distancia. Só que, o que Valmir estava demonstrando, não parecia fazer sentido. No fim, o delegado falou com todos os repórteres e disse que tudo tinha saído como esperado.

 

     Mas isso tambem não era verdade.

 

     O promotor Eduardo então liga para o perito da reprodução, Francisco La Regina e o perito foi muito seguro ao dizer que o caso tinha muitas contradições. Ele então acha melhor pedir uma reprodução simulada com a versão dos funcionários do bar, sem a presença da imprensa.

    

     Os 9 chegaram a irem para a audiência de custódia. Eles estavam presos temporariamente. E pela lei, dentro de 24 horas eles precisam ser apresentados a um juiz.

 

     Cléverson, após a audiência é levado direto a delegacia e depois de outra sessão de ameaça e com medo, já que contou ao juiz tudo o que acontecera e que era inocente, acaba assinando um depoimento em que contaria com ainda mais detalhes a sua participação. Cheirou cocaína no dia, bebeu antes do assalto, Natal, Luciano, os 2 Valmir, Benedito, Jailson e Marcelo estavam com ele. Só esqueceu de mencionar o outro preso, Macelo da Silva.

 

     Os 9, foram encaminhados ao IML, fazer o corpo de delito, procedimento obrigatório.

 

     E foi um exame rápido. Pediram pra que levantassem a camisa, olharam, pediram pra baixar. Perguntaram, sob os olhares dos policiais que já tinham participado das agressões, se tinha apanhado ou algo similar, todos respondem não. Alguns tinham machucados nas testas, braço, perna. No laudo constou, não ter vestígios de lesões.

 

     Quando os 8 presos em delegacia, foram transferidos a 15, foram ouvidos novamente e contaram tudo o que passaram, deram nomes, datas, apontaram para vários policiais que estavam presentes, até mesmo os delegados.

 

     Cinco funcionários do Bar toparam participar da reprodução simulada.

 

     O segurança e os manobristas disseram terem sido rendidos na calçada. Os presos diziam em depoimentos que renderam o segurança dentro do bar. Os funcionários disseram que somente o segurança foi levado para os fundos. Os presos diziam que todos eles foram levados para o fundo.

 

     O perito foi enfático no laudo dele, a segunda reprodução era muito mais crível com os vestígios do que a primeira.

 

     Mas mesmo com as inconsistências, o delegado João Lopes Filho, da 15, finalizou o inquérito de 17 páginas no dia 23 de outubro de 1996.

 




     O serviço reservado da PM continuava em diligências. Ainda não havia feito prisões, mas estavam recebendo boas informações.

 

     O inquérito estava em mãos do promotor e ele precisava decidir se faria ou não a denuncia.

 

     Em relatório de 35 páginas, ele apontou todas as divergências do inquérito. As discrepâncias do reconhecimento, afinal, testemunhas falavam de homens brancos e a policia prendeu homens pretos. Tambem apontou as reproduções simuladas, as diversas versões dadas, a troca dos responsáveis pelos assassinatos. Citou os indícios de que as confissões foram obtidas mediante tortura. No fim, pediu a libertação dos suspeitos por faltas de provas. Tambem pediu que fosse aberta uma investigação para apurar as denuncias de tortura.

 

 


 

“ apesar das diligencias realizadas pela Autoridade Policial, não foi possivel apurar a participação dos indiciados no crime, pelo contrário, os elementos de provas coligidos, autorizam a conclusão de que outros foram os autores da grave infração penal” 



     Foi uma bomba.

 

     O juiz Francisco José Galvão Bueno assinou a soltura dos presos.

 

     Assim que postos em liberdade, a imprensa em peso correu pra cobrir a saída deles e eles, começaram a contar o que tinham passado, sobre como o delegado Joao Lopes coordenava os espancamentos e os policiais obedeciam.

 

     Cléverson ficou preso porque estava sendo processado pelo assalto mal sucedido do Voyage.

 

     Um dos Marcelo tambem ficou preso, já que era foragido da policia por uma condenação por roubo.

 

     A libertação foi massivamente criticada pela imprensa. As famílias das vitimas fatais, falavam de pena de morte e de repente, aqueles que eles acreditavam serem os culpados estavam soltos.

 




     A imagem dos 7 soltos, de mãos dadas, unidas, para cima, comemorando a liberdade, foi retratada pela imprensa como uma atitude ofensiva, quase desafiadora.

 




     O pai de Adriana, Carlos, chegou a declarar que o promotor tinha libertado os culpados e que o caso ficaria impune, porque eles fugiriam.

 




     O delegado João Lopes Filho por sua vez, negava ter ordenado qualquer violência contra os presos ou tortura, porque tortura, segundo ele, era para obrigar a confessar e dos 9, 6 não confessaram nada. Ele chegou a ser homenageado em um jantar oferecido pela Sociedade dos Amigos do Bairro do Itaim Bibi, onde ficava a delegacia.

 

     Os meios de comunicação massacraram o promotor de todas as maneiras possíveis.

 

     O caso saiu da 15 delegacia e foi direcionado ao DHPP, delegacia de homicídio e proteção a pessoa, sob os cuidados do delegado Wagner Guidice e em 1 semana, o caso Bodega teria uma conclusão.

 

     No dia 11 de novembro, o DHPP prendeu 2 suspeitos: Silvanildo Oliveira da Silva, de 36 anos e Sandro Márcio Olimpio, de 24 anos.

 

     Todas as testemunhas chamadas para reconhecimento, deram positivo. Aqueles homens, eram parte dos assaltantes do Bodega.

 

     Depois deles, outras pessoas tambem foram presas.

 

     Além do Silvanildo, conhecido como Nildinho e Sandro,o Gaguinho,  tambem foram presas, Francisco Ferreira de Souza, o Chuim, a Zeli Salete, que ficou do lado de fora do bar dentro do carro para dar fuga aos 5 e por ultimo Sebastião Alves Vital, o Basto.

 












     O Sebastião, ao ser abordado pela policia, iniciou uma troca de tiros vitimando o  investigador José Pereira Godoy, Acabou se entregando. Ele já era condenado a 30 anos por assalto e estava há 3 anos foragido.

 

     Com os presos foram apreendidos, 3 relogios, correntes de ouro, anel e até um blazer. Tudo dos clientes do Bar. O Sandro inclusive não foi difícil de achar, ele já tinha sido preso, no dia 20 de agosto, por ter assaltado no Brás.         

 

     Silvanildo conta que toda a confusão começou quando ele tentou pegar o relógio de um homem que saia do banheiro e o revolver disparou sem querer.

 

     Todos os presos confessaram serem os verdadeiros responsáveis pelo caso Bodega.

 

     O delegado Joao Lopes disse que realmente os presos eram os responsáveis, os criminosos e que não sabia porque os 9 que ele prendeu, confessaram um crime que não cometeram.

 

     Albertina, a tia de Adriana, só falou que estava cautelosa, já que os primeiros presos confessaram tambem.

 

     A partir daí, o caso Bodega começou lentamente a desaparecer dos noticiários.

 

     O bar foi terminantemente fechado.

 

     Em março de 1997 aconteceu o julgamento dos acusados. Por terem sido indiciados por latrocínio, crime contra patrimonio, o caso não foi a juri popular. Somente 5 foram julgados, 1, Francisco acabou fugindo e estava foragido.

 

     Sandro, Silvanildo e Sebastião foram condenados a 48 anos por latrocínio com agravantes.

 

     Zeli Salete Vasco, foi condenada a 23 anos.

 

     O Sebastião, acabou somando uma pena de 97 anos, 7 meses e 19 dias, devido a outros crimes.

 

     No texto da decisão do julgamento dos assaltantes, o juiz José Ernesto de Mattos Lourenço, criticou a imprensa, a policia e a elite paulistana:

 


 

     “o crime que ceifou 2 vidas prematuramente de jovens filhos da classe média num dos bairros mais finos da cidade, provocou até mesmo o nascimento de um movimento que se intitulou Reage, São Paulo. Essa face hipócrita da sociedade, sem embargo da necessidade de reação contra a inoperância do Estado diante da violência crescente e assustadora.

 

     Essa mesma sociedade, todavia, jamais reagiu quando os filhos de famílias miseráveis nos confins da periferia regional e social, foram e continuam sendo assassinados. São Paulo reage diante da morte de filhos ilustres, mas não se emociona diante das mortes dos filhos desprovidos de capacidade economica, que não podem frequentar casa noturna de Moema.

 

     A conclusão é dolorosa: matar filho de rico em bairro de classe média alta ou abastada, dá noticia, repercute, revolta a sociedade, que reage. O mesmo fato, quando atinge o marginalizado da economia, não desperta nenhuma reação.”

 


 

 

     O movimento Reage, São Paulo, teve fim junto com o caso.

 




     A Corregedoria da Policia civil instaurou um inquérito e a denuncia foi rejeitada em abril de 1998. O juiz Sérgio Godoy Rodrigues de Aguiar, absolveu, em novembro de 1998, o delegado João Lopes, José Eduardo Jorge e Antonino Primanti além do investigador Alexandre Ferreira Victal.


     O processo administrativo foi concluído e arquivado em 2002.

 

     Depois de meses do fim do caso, descobriu-se que um outro menor, chamado Edson, havia sido preso e torturado, acusado de ter participação no assalto ao Bar Bodega.

 

     Luciano, Natal, os Valmir e o Edson, acusaram 13 policiais de tortura. Delegados, Joao Lopes Filho, jose Eduardo Jorge, Antonino Primanti e Marina Abigail Schmidit Carreira. Os investigadores, Alberto Sérgio de Castro Ferreira, Alexandre Ferreira Victal, conhecido como Bahia,  José Eduardo de Almeida, conhecido como Marcelo,  Roberto Jorge Fugita, Renato Heck, joão Cabral e Manoel Luis. Os carcereiros Renato Meran e Vagner Porte.

 

     O promotor público José Carlos Gobbis Pagliuca denunciou os policiais, além dos delegados João Lopes Filho, José Eduardo Jorge e Antonino Primati.

 

     Na fase de depoimentos na Corregedoria, nenhum dos promotores indicados para acompanharem os denunciantes apareceu.

     O juiz Tércio Pires rejeitou a denuncia alegando não ter provas das torturas.

 

     O Ministério Público recorreu e o procurador de justiça Artur Pagliesi Gonzaga negou o recurso. O caso foi para diversas instâncias.

 

      Nenhum policial foi punido.

 

     Nenhum jornal ou empresa de telecomunicação foi processado.

 

     Valmir da Silva e Valmir Vieira Martins entraram na justiça contra o Estado.

 

     O STF, em 2009, confirmou uma decisão já dada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que apontava a responsabilidade do Estado ao decretar a prisão cautelar dos primeiros suspeitos.

 

     Após todo o caso, foi criado um projeto de lei em São Paulo que restringia o horário de funcionamento de bares até 1 da manha e que começou a funcionar em 1999. A lei foi derrubada em 2004 pela prefeita Marta Suplicy.

 

     E não foi só essa lei, que teve relação com o caso Bodega.

 

     Ele tambem acelerou a aprovação da Lei 9.455, a Lei da tortura, sancionada em 07 de abril de 1997, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

 

     Em março de 1998, a pena de Zeli Salete Vasco foi majorada para 30 anos. Ela usou o seu carro, um Gol, do lado de fora do bar esperando os comparsas.

 

     No livro do jornalista Carlos Dornelles, O Bar Bodega, um crime de imprensa que, caso alguem tenha interesse em ler, e eu li ele e acho que vale muito a pena, principalmente pra quem está estudando jornalismo ou gosta oe temas de justiça social, o link pra adquirir esse livro na Amazon, está aqui na descrição desse episódio.

 

     Nele, o Carlos Dornelles, procura pelos 9 presos dez anos depois de tudo, em 2006, há 17 anos atrás.

 

     Natal participou de sequestros e assaltos, acabou preso. Tentou trabalhar como feirante, não deu certo. A ultima movimentação do JusBrasil em nome dele é de revisão criminal e julgamento virtual nesse ano de 2023, por roubo então, aparentemente ele ainda encontra-se no sistema prisional.

 

     Jailson trabalhou em uma auto escola, mas não durou. As pessoas comentavam do caso e ele acabou sendo demitido. Começou a assaltar. Foi condenado a 5 anos. Saiu em condicional. Tentou sair da vida do crime mas não conseguiu. Foi preso e condenado novamente. Não consegui encontrar informações mais recentes dele. Infelizmente o nome e sobrenome são mais comuns do que eu pensei. E não tive como confirmar informações.

 

     A filha dele, ao Carlos Dornelles, fala:

 

 

     “Nunca vou esquecer do meu pai apanhando na minha frente, quando invadiram aqui. Ele gritava desesperado pra eles parar. Tá tudo guardadinho aqui (na cabeça dela). Eu sei que meu pai não queria ser bandido.”

 

     Benedito foi preso. Cumpriu 4 anos. Mudou-se para o interior, uma cidade bem pequena e virou catador de café. Não consegui informações mais recentes.

 

     Valmir Vieira Martins perdeu o emprego de repositor de supermercado. Foi trabalhar com um tio como ajudante de pedreiro e depois, conseguiu emprego como medidor de energia elétrica. Não consegui informações mais recentes.

 

     Valmir da Silva casou, teve 1 filho e trabalhava como porteiro. Ele participou do documentário produzido pelo Jornal da Cultura, chamada “Os olhos que condenam no Brasil” de 2019.

 

     Marcelo da Silva casou, teve uma menina. Trabalhou como pedreiro. Acabou sendo preso por assalto e sequestro, foi condenado mas fugiu. Um mês depois foi encontrado morto com vários tiros perto de casa. Sua morte nunca foi investigada.

 

     Depois de 1 ano na FEBEM, vários menores armaram uma fuga. Cléverson se juntou a eles.

 

     Por 3 meses ficou com o pai no interior de São Paulo. Quando fez 18 anos, foi morar com a irma, Andreia em Taboao da Serra. Uma prima conseguiu um emprego em uma fábrica de canetas pra ele.

 

     Um dia, Cléverson se arrumou. Faria 20 anos na próxima semana. Avisou que ia sair. Era umas 7:30 da noite. Estava com uns amigos no Jardim Trianon.

 

     Um grupo de garotos que eram brigados com um dos amigos de Cléverson passou. Começaram a discutir, bater boca. Cléverson tentou apartar a briga e acabou empurrando um dos garotos.

 

     Cléverson mais tarde um pouquinho, foi andando até o seu fusquinha velho, comprado com o dinheiro do seu trabalho, mas ele não andou muito. O carro parou por falta de combustível. Ele conseguiu um galão emprestado na rua e ir ate um posto pegar um pouco. Enquanto se preparava pra colocar no tanque do carro, 2 garotos em uma moto pararam ao lado e deram 5 tiros nele. Dois na cabeça, 3 nas costas. Cléverson foi assassinado aos 19 anos. O crime nunca foi investigado.

 

     Sobre os condenados o que pude conseguir de informação é que, Sandro teve um pedido de progressão de regime negado ano passado, em 2022, não sei se relacionado ao caso Bodega, mas tambem por crime de roubo.

 

     Sebastião, tambem teve um pedido de progressão negado.

 

     Silvanildo teve concedido o pedido de progressão para o regime aberto em abril de 2022, 1 ano atrás.

 

    


  



Fontes de Pesquisa




Livro utilizado: Dorneles, C. (2007). Bar Bodega Um crime de imprensa. São Paulo: Globo


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Folha

Folha

Wikipedia

Olhos que condenam no Brasil

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Folha

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Folha

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JusBrasil



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