#1 Mércia Nakashima

 

O Caso






        O termo feminicídio foi difundido por Diana Russel, uma ativista feminista, escritora, sul africana, que depois morou na Inglaterra e nos EUA e que faleceu em 2020. Ela passou anos pesquisando e escrevendo sobre a violência sexual contra mulheres.

 

         A partir dela, que deu a expressão feminicido a definição de assassinato intencional de mulheres, outras estudiosas como a antropóloga mexicana, Marcela Lagarde e de Los Rios, estenderam a conceituação do feminicídio para acolher diversas violações dos direitos humanos das mulheres.

 

         O feminicídio pode ser praticado por um parceiro, um ex parceiro da mulher, um parente, um familiar, um colega de trabalho, um desconhecido completo. É o crime de ódio contra mulheres.

 

         E pode-se elencar diversos motivos para a ocorrência de feminicídio como a norma cultural de que homens possuem controle e superioridade sobre a mulher, a necessidade de submissão feminina e a omissão do Estado ao não desenvolver práticas efetivas para coibir a violência doméstica.

 

         Até 2020, homens ainda eram inocentados pelo homicídio de mulheres, baseado no fundamento da legitima defesa da honra. Foi somente em 2021 que o STF entendeu que era inconstitucional a alegação.

 

         Em 2020, 3.913 mulheres foram assassinadas. Houve um aumento de 13, 6% de pedido de medida protetiva urgente. Os estupros cresceram 4,2% e desses, 75,5% eram vulneráveis.

 

         O 1º levantamento de stalking realizado registrou 27.772 casos de perseguição.

 

         Muito se fala em crimes passionais, o crime cometido por paixão e juridicamente, o termo é usado em crimes relacionados a relacionamentos sexuais ou amorosos.

 

         Só que essa paixão é advinda de ciúme, vingança, ódio, possessividade, prepotência.

 

         No Brasil, somente em 2015, foi sancionada uma lei especifica para o crime de feminicídio, a 13.104, tornando-o uma qualificadora do crime de homicídio. A tipificação tambem foi incluída nos Crimes hediondos.

 

         Nem todo assassinato de mulher é um crime de feminicídio, mas todo aquele ocasionado pela condição de sexo feminino.

 

       

         O caso da Mércia Nakashima aconteceu em 2012, 3 anos antes da criação da Lei de Feminicidio. Que se houvesse, teria sido aplicada.

 

         Mércia Mikie Nakashima, nasceu em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, no dia 06 de outubro de 1981. Era filha de Macoto Mário Nakashima e Janete Ferreira de Carvalho. Era a caçula de 3 filhos, tinha outros 2 irmãos, Márcio e Claudia. Ela fazia aniversário no mesmo dia do irmão mais velho.

 


 


         Apesar de começar o curso de magistério, entendeu que lecionar não era pra ela e optou pelo Direito, mesma profissão dos irmãos.

 

         Quando seus pais se separaram, ela foi morar com o pai no condomínio Residencial Parque Brasil, em Guarulhos.


         Mércia formou-se em Direito. De personalidade forte e muito dedicada aos estudos, decidiu só namorar depois de já estar formada pra que nada atrapalhasse seu foco.

 




         Em um dos seus aniversários, uma tia deu a ela um Honda Fit prata, que alguns anos depois, ficaria nacionalmente conhecido.

 




         Mizael Bispo de Souza nasceu no dia 05 de março de 1970, em Paratinga, na Bahia. Pouco se sabe da família dele. Os pais moravam na Bahia e ele veio para São Paulo.

 






         Entrou para a policia militar de Guarulhos, mas, no fim dos anos 90, após um acidente onde recebeu uma descarga elétrica muito grande, perdeu o dedo do meio da mão direita, tambem perdeu 1 dedo do pé direito e acabou se aposentando como cabo, por invalidez.

 

         Sem estar mais na policia, entrou para a Universidade de Guarulhos para estudar Direito.

 

         Lá, conheceu Claudia Nakashima. Mas não eram amigos, só frequentavam a mesmo curso e as mesmas aulas. Tempo depois, ele foi ao escritório que Claudia mantinha falar sobre um acordo que o cliente dele, que acusava um cliente dela, queria fazer. Como a Mércia estava no escritório, Claudia os apresentou.

 




         Em 2005, Mizael montou um escritório mas o sócio saiu e ele pediu ajuda a Cláudia. Como a Mércia tinha acabado de ser formar, ele ofereceu a ela a sociedade. Ela aceitou. O escritório de advocacia deles era especializado em causas trabalhistas.

 

         No começo do namoro, a família da Mércia não viu nenhum problema na relação, até que nota o comportamento dos dois e como o namoro era problemático. A Mércia era uma, quando estava longe do Mizael, e outra, quando ele estava presente.

 




         O irmão dela, Márcio, conta em entrevista que ele sempre reclamava dos aniversários porque seus pais, sua família, nunca tinha tratado ele bem, e em todos aqueles anos, ele nunca teve uma festa de aniversário. A avó da Mércia, sentida com a história, fez uma festa pra ele, pediu pra ele convidar a família dele que morava em São Paulo, mas ele não quis.

 

         Então aparentemente, a família dele só passou a não aceitar a relação, quando percebeu que não era uma relação saudável. Nesse momento, eles, principalmente Márcio, começaram a se opor ao namoro veementemente.

 

         Mas Mizael que já havia se casado e era pai de uma menina por volta dos 8, 9 anos, se apaixonou perdidamente.

 




         Só que, o que ele sentia por ela, não era reciproco.

 

         Apesar do namoro e idas e vindas constantes, Mércia não era apaixonada. Talvez tivesse sido no inicio, mas se foi, já não era mais.

 




         A relação dos dois, acabou tornando-se um misto de paixão, com ódio, interesse, cobrança, ciúmes, humilhação e processos judiciais.

 

         Mércia saiu da sociedade e foi Mizael quem a ajudou a montar o escritório novo. Ela não queria um relacionamento com ele, mas sempre saiam juntos, sem que a família dela soubesse.

 

         Pra família, Mércia dizia não estar mais junto do Mizael, mas ainda saiam juntos, ela dormia as vezes na casa dele, ele repassava clientes a ela.    

 




         Era uma relação abusiva de ambos os lados. E relações abusivas, tendem a não ter um fim tranquilo.

 

         Havia uma troca constante de emails entre eles. Na maioria, Mércia o tratava mal, o ofendia, humilhava, era grosseira. Ele, por sua vez, ameaçava, xingava, cobrava.

 


 

 

“Olá Mércia, boa tarde, sei que voce desligou todos os telefones para não falar comigo, acho uma grande besteira, pois na sexta quando me entregou os docs, já percebi olhando em voce, que não estava legal, mas achei que fosse pela dor, mas depois percebi que era comigo, tanto foi verdade que mais tarde te liguei e não mais me atendeu, embora não dei motivos para tanto descaso, pois como eu lhe disse, ou voce esta namorando comigo ou não esta, pois essa vida pra mim não da mais, chega, pois preciso de uma namorada para compartilhar os bons e maus momentos, enfim, bater um papo. Percebe que tudo entre nos poderia dar certo, mas não é bem assim, pois voce não quis e é uma pena, uma vez que Deus esta vendo tudo o que voce faz e fez comigo e certamente vc acertara as contas com ele, pois acho que comigo não havia necessidade de nada disso, sempre fui leal a voce, é claro, quando estava namorando de verdade, sempre fiz o que podia por voce e acho que era o minimo que poderia fazer pela pessoa que amava e tinha projetos, mas achei que tinha o mesmo objetivo que eu, mas como não tinha, e não teve, agora tenho que ser justo comigo em primeiro lugar, pois voce sempre pensou só em vc e na sua família, eu que me lasco. Se voce não tivesse sido e continua sendo covarde comigo, as coisas seriam diferentes. Acho melhor mantermos distante um do outro, pois já cansei de ser tirado como idiota, chega. Você Mércia, não merece mais o meu amor.”

 

 

 


 

         Mizael era complexado, ciumento. Reclamava que Mércia sentia vergonha dele e era por vergonha, que não assumia o namoro. E ela de fato sentia vergonha dele. Principalmente de como ele se vestia. Se ele estivesse de bermuda e chinelo, ela mandava ele ir embora e só voltar quando estivesse de sapato e camisa polo. Tambem nunca andava com ele na rua de mãos dadas.

 




         Ela termina definitivamente com ele, poe fim a relação fixa que eles tinham, em 2008, após as eleições municipais em que Mizael se candidatou a vereador. Em 2009, eles voltam a se encontrar. Mas em segredo.

 




         No mês de maio de 2010, Mizael, determinou que acabaria com tudo aquilo. Ao invés de, se afastar definitivamente de Mércia e seguir a vida, procurar uma mulher que gostasse dele, ou simplesmente superar, ele optou por mata-la.

 




         Mizael tinha uma relação de amizade e profissional com um vigia chamado Evandro Bezerra da Silva.

 




         Eles já se conheciam a muitos anos. O Evandro, trabalhava como vigia em um posto de combustível em Guarulhos, chamado Bonsucesso e tambem fazia diversos bicos de segurança, como na feira, perto da casa da avó materna de Mércia.

 

         O plano de Mizael era matar Mércia no dia 16 de maio, mas acabou não dando certo.

 




         No fim de semana seguinte, eles se viram no dia 21 e no dia 22, sexta e sábado. Foram ao cinema, jantaram, Mércia foi para a casa de Mizael. Combinaram de tambem se verem no dia 23, domingo.

 

         Naquele 23 de maio de 2010, Mércia liga pra mãe pra saber onde ela estava. Combinaram de se verem no almoço de família na casa da avó materna, no bairro do Macedo. Onde a família costumava se reunir aos domingos.

 




         Perto do meio dia, Mizael vai a feira e fica 20 min conversando com Evandro. Ao ir embora, dá carona a uma mulher que ele conheceu na feira e estava com a filha.

 

         As 14:30 ele liga para Mércia. Ela não atende. Ela reclama com o irmão de que o Mizael estava ligando enchendo o saco, quando ele ve o numero na tela do celular.

 

         O almoço já tinha terminado quando as crianças que estavam na casa, resolvem ligar a TV pra jogar videogame.

 

         Mércia queria que eles mudassem ou tirassem o jogo, mas eles não trocaram e continuaram o jogo, então ela disse que iria embora lavar o cabelo. Era por volta das 18:30. Ela combina com a mãe de no dia seguinte passar lá para irem ao escritório.

 

         O que a família não sabia era que Mércia já tinha combinado de ver Mizael no fim do dia sem que ninguém soubesse.

 




         O combinado entre ele e Evandro, segundo Evandro, era de que, o vigia, que tinha um irmão que trabalhava como caseiro na Represa Atibainha, na cidade de Nazare Paulista, iria busca-lo na represa quando Mizael avisasse que era a hora.

 

         A represa não era um local desconhecido para o casal. Eles já estiveram lá algumas vezes antes pra namorar. Para chegar lá precisa pegar a rodovia SP 036, depois a estrada Cuiabá e por fim, uma estradinha de terra, então só vai, quem já conhece bem o lugar.

 

         Mizael fica próximo a casa da avó de Mércia vigiando, pra ter certeza de que ela estava lá, nesse tempo, liga 27 vezes para Evandro, quase que dando a ele minuto a minuto a situação. Ele vai pra casa, fica uns 3 minutos e depois, estaciona o carro no Hospital Geral de Guarulhos.

 

         Antes de ir buscar Mizael, Mércia vai em casa. As câmeras de segurança do elevador, gravam os últimos momentos de Mércia viva. De calça jeans, tenis branco, casaco roxo, se arrumando no espelho do elevador.

 






         Na segunda feira, Mércia não apareceu nem pra buscar a mae em casa e nem no trabalho. O que elas acharam muito estranho.

 

         No fim do dia, Claudia vai na casa da mae saber se Mércia tinha aparecido ou ligado. Nada.

 

         Começa a busca. Alguma coisa tinha acontecido, ela não era de sumir sem falar nada.

 

         A família procurou a delegacia em Guarulhos para reportar o desaparecimento, porém, eles começam a notar que, a policia não estava tão interessada assim. Ou pelo menos não parecia estarem.

 



         Preocupados, agoniados com o sumiço da Mercia, eles vão a São Paulo, na Delegacia de Pessoas Desaparecidas, presidida pelo Delegado Antonio Olim, e relatam o desaparecimento.

 




         Mizael foi a delegacia no dia 27 de maio, por livre e espontânea vontade, dar sua declaração, acompanhados de 2 advogados. Até aquele momento, a policia ainda não estava certa do que havia acontecido com a Mércia e a família acreditava piamente, que ela tinha sido sequestrada.





         Três dias depois, no dia 31, o Mizael é formalmente notificado a comparecer na delegacia, mas aí sim, o Delegado Olim já estava desconfiado do envolvimento dele no caso.

 

         A versão do Mizael é a de que ele tentou falar com a Mércia naquele dia mas não conseguiu. Eles tinham se visto no dia anterior e ele apresentou os comprovantes até dos estacionamentos dele e dela. O que, só levantou mais suspeitas, porque quem guarda o ticket do estacionamento? Geralmente a gente joga fora na própria cancela.

 


 


         Ele tambem diz que pela manha foi visitar a filha, depois foi a feira, deu carona a uma mulher, foi pra casa e no fim do dia, encontrou com uma garota de programa e ficou algumas horas com ela. Não sabia o nome dela e nem dava informações de onde seria possivel encontrar a menina.

 

         O delegado pergunta se ele tinha carro e se esse carro teria seguro. Mizael, irritado, responde que claro que ele tinha, o Sportage dele não ia andar sem seguro. E foi ai, que o Mizael se entregou.





         O interesse do Delegado era em saber se o carro tinha rastreador. E tinha. Quando ele e Mércia ainda eram sócios, para o seguro ficar mais barato ela mandou instalar um rastreador no carro dele. De uma certa maneira, em vida, Mércia desvendou sua própria morte.

 

         Olim imediatamente pede a empresa do rastreador o histórico. Mandaram de 3 dias antes do pedido. Ele pediu então os dos 40 dias antes, pra entender qual era a rotina dele, os lugares mais frequentes e ver se algo saia do padrão.

 

         O histórico mostrava muito ele indo a um posto de combustível, as vezes até mais de uma vez ao dia no mês de maio. O delegado achou estranho porque não era possivel se abastecer um carro tanto assim. A não ser que se colocasse muito pouco combustível toda vez.

 

         Ele foi no posto e descobriu que ele não ia lá abastecer, mas conversar com o vigia do posto, Evandro.

 

         O mesmo histórico mostrava que durante quase 4 horas, o carro ficou parado em frente ao hospital geral, sem que ele tivesse realmente ido ao hospital.

 

         Enquanto isso, a família, em especial Márcio, montaram uma equipe e se empenharam em achar Mércia. Uma central foi montada na avo pra receber pistas, ligações.

 

         O delegado Olim e o Márcio chegaram a brigar em determinado ponto. Márcio queria que eles fizessem mais. Olim, queria que ele fizesse menos.

 

         Os advogados de Mizael surgiram com as hipóteses de sequestro e de provável retaliação. Ela estaria sendo ameaçada por um ex cliente, em que ela atuou no divorcio dele e tambem em uma ação trabalhista e que, como resultado negativo, esse cliente, chamado Messias, começou a ameaçar a vida dela. Sò que a Claudia depois, encontrou nas coisas da irma o processo desse determinado cliente e constatou que tinha sido um processo tranquilo e ele não teria motivo pra querer fazer algo contra Mércia.

 

         Pra confirmar a versão de Mizael, uma equipe, junto com o agora suspeito e seus advogados, refazem todo o trajeto dele no dia. Mas não batia com os horários e o trajeto do rastreador.

 

         A policia pede a quebra do sigilo telefônico dos números do celular de Mizael e da Mércia. Ele tinha uns 6 numeros de telefone, ela tambem tinha diversos.

 

         Um policial, que ate trabalhava no setor de Sequestros, ajuda na varredura da régua dos números dos 2. Ele passa dias e mais dias e mais dias verificando e cruzando ligações.

 

         E nesse cruzamento, o Alexandre Simone, descobre um numero de telefone suspeito e que eles não sabiam de quem seria. Esse numero nunca tinha sido usado, exceto no dia do desaparecimento.

 

         A procura continuava. O caso foi para a televisão, dando ainda mais visualização a história.

 

         Até que já passado dias, um homem cortava o cabelo em uma barbearia e ve na tv a reportagem sobre o desaparecimento e comenta que naquele dia 23, enquanto pescava na represa em Nazare Paulista, ouviu do barco 2 gritos de mulher e depois viu um homem empurrar um carro prato pra dentro da agua.

 

         Por uma bizarra coincidência, aquele era a barbearia onde o seu Macoto cortava o cabelo. Entao o barbeiro conta pra ele a historia que o homem relatou.

 




         Ele, seu Macoto vai para a represa, no dia 10 de junho e fica dando voltas procurando por alguma coisa, alguma pista. Ele acha cartões de banco, acha papeis de lava jato molhados e ve marcas de pneu descendo na agua. No dia seguinte ele procura os Bombeiros de Bragança Paulista e implora que eles mergulhem no local.

 

         Os bombeiros dão diversos mergulhos durante o dia mas não encontram nada.

 

         Chegando o fim do dia, eles já queriam parar. Mas o seu Macoto não queria desistir, chorando ele implora pra que deem só mais um mergulho, só mais um.

 

         Com pena da situação, vendo a aflição da família, os bombeiros dizem ao Márcio que fariam só mais uma tentativa e encerrariam a busca.

 

         Dois bombeiros descem mas eles não procuram. Ficam parados esperando dar mais ou menos uns 15 minutos para subir novamente e parar.

 

         Quando acaba o tempo, ao subir pra superfície, um dos bombeiros bate com o pe em algo. Era o carro de mércia Nakashima.

 




         Márcio tinha avisado ao Delegado Olim sobre a pista do informante pescador mas o delegado achou aquilo tudo historia de pescador.

 

 

         Dois dias antes do encontro do carro, no dia 08,  um homem que se identificou como Evandro, ligou para a família pedindo R$ 10 mil para entregar as luvas que o assassino teria usado para empurrar o carro dela na represa.

 

 

         Uma operação foi feita pra tirar o carro da agua. Moradores ajudaram, bombeiros, familiares.

 

         O carro foi puxado para fora. Mas a Mércia não estava dentro. Ao abrirem o porta malas e notarem que tinha um volume, os bombeiros afastaram o seu Macoto e o Márcio de perto acreditando que poderia ser o corpo de Mércia. Não era.

 




         Dentro do Honda Fit, estava um celular dela, alguns objetos pessoais. Ele foi enviado para ser periciado.

 

         O banco do motorista estava a 59 cm do volante, então a pericia concluiu, que coincidia com a posição que ela, com 1m55 de altura, usaria o banco. Já o do passageiro, estava na posição mais afastada, o que demonstrava que alguem alto e grande, estava com ela dentro do carro. O cambio do carro estava desengatado e o freio solto.

 

         A conclusão era de que Mércia foi dirigindo o seu próprio carro.

 

         O carro foi encaminhado para pericia. Mas ainda havia a duvida: onde estava Mércia.

 

         A duvida não durou muito.

 

         Na manha seguinte, Roberto Yamauche, de 47 anos, um pescador e morador da região, estava no seu barco por volta das 9:30 da manha. Ele ve algo boiando na agua, vestindo uma blusa roxa.

 

         Ele volta a margem da represa. A família da Mércia estava lá com os bombeiros, se preparando pra mais um dia de buscas. Ele encosta o barco, com o cachorro dele dentro e pergunta se ela estava com a camisa roxa, eles dizem que sim, e é ai, que ele aponta onde viu o corpo boiando.

 

 




         No livro a paixão no banco dos réus, a escritora Luiza Nagib escreve que, o pescador, esse que viu o carro sendo submergido, permaneceu anônimo porque ele era casado na época e estava na represa com a amante. Ele ficou no programa de proteção a testemunha por um tempo, prestou depoimento, participou da reprodução simulada pra que a pericia confirmasse o que ele tinha visto mas não foi chamado nem pela defesa nem pela promotoria no julgamento. Até hoje não se sabe seu nome.

 

         Equipes de televisão estavam no local e a cena do Márcio, reconhecendo a irma, vendo o estado do corpo da irma, mexeu com o pais inteiro. Ela já estava há mais de 2 semanas na agua então o corpo entrou em estagio de saponificação. 









        A saponificação na medicina legal é o que se chama de fenômeno conservativo. Ocorre quando o corpo esta em um meio aquoso né, na agua e é um processo natural. A pele fica com uma aparência de sabão, sabe? E o corpo fica com uma textura untosa. Mas é um processo que conserva bem o corpo então acaba ajudando o legista a entender o que aconteceu porque o corpo fica conservado. Só que, o que tem na agua? Peixes, crustáceos... Então esses animais tbm são necrófagos e acabam comendo as partes moles do corpo, então come olho, unha, cabelo tbm solta.. O corpo fica irreconhecível. Não tem como saber se é mulher, homem, preto, branco, gordo, magro. Fica extremamente diferente. 

 

         Quando os bombeiros, acabaram mexendo no carro quando encontraram, ainda embaixo da agua, o corpo saiu pela janela do motorista que tava aberta. Por isso não foi encontrado no dia anterior.

 

         Assim que sai na televisão, o encontro do carro, Evandro abandona o emprego no posto e viaja para o Nordeste, para Sergipe.


         A pesquisa dos registros telefônicos encontra a ligação da Mércia para o numero desconhecido, a ligação desse numero para Evandro, o recebimento de uma ligação da Bahia, do numero do pai do Mizael e apesar desse numero que a policia ainda não tinha certeza de quem era, segundos depois que Mércia liga pra ele, um dos 6 numeros de Mizael, liga para a Mércia e fala por alguns minutos.

 

         A reprodução simulada do depoimento do pescador foi realizada no dia 17 de setembro de 2010, Ele foi levado escoltado até o local. O dia estava nas mesmas condições, mesmo clima e mesma luz do dia em que ele viu o carro sendo empurrado. E foi possivel confirmar que ele realmente conseguia ver muito bem. Era uma ótima visão.

 

         Nesse dia, teve até uma discussão entre o Márcio e um dos advogados de defesa. Bateram boca, gritaram. A reprodução teve ate que parar um pouco pra eles se acalmarem.

 




         A prisão preventiva foi decretada para o Evandro no dia 25 de junho.

 

         Perguntado na delegacia sobre o numero, Mizael acaba sem ter como negar que era dele. Afinal, o pai dele ligou pro numero. Mas ele só dizia que ele comprou em uma loja, e que já estava no nome de outra pessoa quando ele comprou, porque, não tava no nome dele, todos os outros sim, exceto esse. Esse numero só foi ligado e usado no dia 23 de maio e não estava registrado no nome do Mizael Bispo.

 

         Foi até esse interrogatório em que ele bate na mesa dizendo que não ia mais falar nada. Que ficou super famoso esse trecho do vídeo e tem o interrogatório completo no Youtube.

 

         O delegado Olim obtem um mandado de busca e apreensão para a casa do Mizael. E entre outros itens, o delegado pede o sapato dele. Um sapato que ele estava sempre usando, de couro marrom. O sapato tinha sido limpo , mas mesmo assim o delegado quis levar para ser periciado. E novamente o delegado Olim acertou. Aquele sapato, era o que faltava pra condenar Mizael pelo assassinato de Mércia Nakashima.

 

 

         O laudo necroscópico saiu. A causa da morte era afogamento. Ela foi atingida por 3 disparos de arma de fogo. Um deles, foi no queixo, quebrando a mandíbula ocasionando o desmaio dela. E com ela desmaiada, ela foi empurrada dentro do carro para morrer afogada.

 

         Na roupa que ele disse ter usado no dia, foram encontrados fragmentos osseos, que por serem micro, não puderam ser usados para analise de DNA.

        

         O enterro da Mércia aconteceu no cemitério São João Batista em Garulhos. Mizael não compareceu, mesmo alegando não ter feito nada, dizendo que não foi por orientação dos advogados.

 




         A família dela, ainda não acreditava que ele teria qualquer coisa a ver com a morte. Ate porque, se eles estavam há meses e meses separados e nem se viam mais, porque ele faria aquilo? Eles não sabiam que a relação continuava.

 




         Uma amostra de alga foi retirada do sapato e mandada para o Instituto de Botânica da USP. O biólogo Carlos Eduardo de Mattos Bicudo, identificou a alga, da família Chaetophora especie Stigeoclonium, algo bem especifico gente, me perdoem biólogos se eu falei o nome errado. Essa alga dava em determinados locais e ali na região, só dava na represa Atibainha. E pra que aquela alga estivesse no sapato, ele teria que ter entrado na agua, porque a alga é subquatica, não fica na beira.

 




         Interceptação telefônica acabou localizando o Evandro, depois dele ligar para o Mizael em São Paulo.

 

         No dia 09 de julho, o pelotão da Caatinga, prendeu Evandro em Canindé de São Francisco, praticamente divisa com Alagoas. Ele estava no sitio de um cunhado. O delegado Olim foi para Sergipe pegar Evandro e levar para São Paulo e lá ele prestou depoimento, que foi gravado.

 




         Ele conta que Mizael matou Mércia.

 

         Tambem fala de um acidente entre uma moto e um carro que aconteceu no dia, na estrada de terra, que tinha policiais e que Mizael chegou a abaixar os vidros pra cumprimenta-los. Ele tinha 2 armas com ele. Mais tarde foi comprovado que realmente o acidente aconteceu.

 




         O Mizael foi preso preventivamente no dia 27 de julho. Porem nenhum dos dois esquentaria banco na cadeia.

 




         Evandro conseguiu um habeas corpus em agosto e Mizael tambem.

 

         O MP pediu a a prisão novamente, em dezembro,  só que nenhum dos dois foi encontrado. Ambos fugiram. Eles foram incluídos na lista dos mais procurados do Estado de São Paulo.

 




         O Mizael só se entregou no Forum de Guarulhos com 3 advogados em fevereiro de 2012. Um ano e meio depois de fugir. Ele foi transferido para o presidio especial da PM e ficou em cela separada por ter ensino superior. Hoje já não da mais. Acabou a cela privilegiada.

 

         O Evandro foi preso novamente em junho de 2012, faltando 2 meses para completar 2 anos fugindo e mandado pra Tremembé.

 

         Entre 2010 e 2011, a família da Mércia passou por 2 situações estranhas. Na primeira, em outubro de 2010, um carro, dirigido por um PM do ex batalhão de Mizael, colidiu com o carro do irmão dela, Márcio, violentamente. No começo do ano seguinte, ele e a mãe foram perseguidos por 2 motoqueiros. O carro acabou caindo em uma ribanceira quando Márcio perdeu o controle do carro na fuga.

 

         Mizael estava foragido....

 

         O julgamento dos dois foi desmembrado. Mizael iria ser julgado primeiro.

 

         E seria o primeiro julgamento televisionado ao vivo na história do Brasil. Foi um marco. E na mesma época, se vocês lembram, estava acontecendo em Minas, o caso da Elisa Samudio. Tambem de enorme repercussão e que sera um dos casos desses spin off.

 

         Ele começou no dia 15 de julho de 2013. Foram no total 4 dias de juri, no fórum de Guarulhos.

 

 

         O promotor do caso foi Rodrigo Merli Antunes e o assistente de acusação o Dr. Alexandre de Sá Domingues.

 

         A banca da defesa era formada pelos advogados Ivon Ribeiro, Samir Haddad Junior, Wagner Aparecido Garcia e adivinhem.. o próprio Mizael, que resolveu advogar em causa própria.

 

          

         O juiz foi o Dr Leandro Bittencourt Cano.

 

         O Conselho de Sentença foi formado por 5 mulheres e 1 homem.

 

         A primeira testemunha foi Márcio Nakashima. O depoimento dele durou quase 4 horas. Ele chorou varias vezes e acabou batendo boca com um dos advogados de Mizael, Ivon, que teria dado uma entrevista dizendo que Mércia havia sido morta por um traficante devido a divida de droga.

 

         Uma coisa muito muito desrespeitosa mesmo.

 

         Os peritos criminais foram ouvidos e a defesa tambem contratou assistentes técnicos.

 

         Mizael continuava alegando inocência.

 

         E a defesa, que ele não seria capaz de atirar porque, mesmo andando sempre com 2 armas, fazendo questão de mostrar estar armado, ele não conseguia atirar devido a deficiência da mao.

 

         Ele chega a tirar o sapato no tribunal pra mostrar o pé.

 




         O perito que fez a coleta da terra da represa e analisou com a encontrada no sapato tbm depos e afirmou que eram similares.

 

         No fim dos 4 dias, Mizael foi condenado a 20 anos de reclusão em regime inicial fechado, por homicídio triplamente qualificado: motivo torpe, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vitima.

        




         O julgamento de Evandro aconteceu no dia 29 de julho de 2013. O promotor foi o mesmo do julgamento do Mizael, Dr Rodrigo Merli.

 

         A juíza foi Dra Maria Gabriela Riscali e a defesa foi feita pelo Dr. Aryldo de Oliveira. O conselho de sentença foi formado por 4 homens e 3 mulheres.

 

         O representante da OAB que acompanhou todos os depoimentos dados por Evandro testemunhou, o técnico de telecomunicações, Eduardo Tolezani, que fez o laudo das ligações e que tbm testemunho uno julgamento de Mizael, foram ouvidos.

 

         Foram 3 dias de julgamento. A defesa alegava que sim, Evandro deu carona a Mizael, pegou ele na represa, mas que jamais participou da morte. Ele não sabia que Mércia seria assassinada e nem que Mizael tinha acabado de afoga-la, quando ele foi ate a represa busca-lo.

 

         Ele foi condenado a 18 anos e 8 meses em regime inicial fechado por homicídio duplamente qualificado: meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vitima.

 

         No ano de 2016, Mizael iria recber uma indenização, de um processo, no valor de R$ 210.171,11 e a família da Mércia entrou na justiça pedindo o bloqueio do dinheiro para fim de pagamento de indenização que eles pediriam assim que o processo estivesse em transito julgado. O pedido primeiramente foi deferido e até onde eu consegui acesso, ainda esta em aberto.

 

         A pena dele foi majorada em 2017. O MP solicitou o aumento da pena e por unanimidade, a 12ª Camara de Direito Criminal acatou o pedido e aumentou a pena para 22 anos e 8 meses.

 

         A do Evandro foi diminuída para 17 anos e 6 meses, após acolhimento de pedido da defesa.


         O tribunal de justiça militar de SP, expulsou Mizael em 2022 somente. Ano passado. Ele era cabo aposentado.

 

         O pedido de expulsão foi impetrado pelo MP. Ele perdeu a patente, teve que devolver a carteira funcional e as medalhas que recebeu, porem, o mais importante ele não perdeu: o salario.

 

         Mesmo com a expulsão o tribunal entendeu que o crime foi cometido quando ele já estava reformado portanto, não perderia o direito a receber a aposentadoria.

 

         Ele foi para Tremembe, tem ate uma foto dele, do Alexandre Nardoni, do Cristian Cravinhos, tem outro tbm, acho que o Lindberg Alves, do caso Eloa,  conversando amigavelmente.










         Em 2019, ele teve aprovado o direito ao semiaberto e teve sua 1ª saída temporária no dia das crianças daquele ano. Ele já tinha pedido a progressão em 2016 mas foi negada.

 

         Durante a pandemia, em agosto de 2020, ele conseguiu a prisão domiciliar que foi revogada em dezembro de 2020 pelo STF. Ele tinha justificado a necessidade por ter imunidade baixa e ser hipertensivo, então era grupo de risco.

 

         O Evandro tambem já esta no regime semiaberto.

 

         No dia 16 de  abril de 2021, infelizmente Dona Janete, mãe de Mércia, faleceu.

 




         Hoje, Márcio Nakashima é deputado estadual em São Paulo e cuida do Instituto Mércia Nakashima. 

 




        

        Fontes de Pesquisa



        Wikipedia

G1

G1

Record

G1

Guia Me

Blog Thais Sabino

Hoje em Dia

        

        Eluf, L. N. (2017). A paixão no banco dos réus: casos passionais e feminicidio. São Paulo: Saraiva.

 

        

 

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