T03 Ep01 O caso do sequestro do voo 375
O Caso
O final da chamada, no
Brasil, década perdida, como os anos 80 são conhecidos aqui e na América Latina
de forma geral, foi marcada pelo fim do periodo da ditadura militar, após
difíceis 24 anos de governos repressores.
O Brasil ainda estava em fase de redemocratização.
Foi naquele ano de 1988, em agosto,
que por 474 votos a favor, a Assembleia Nacional Constituinte, aprovou a
Constituição Federal em voga até os dias atuais e que seria promulgada em
outubro do mesmo ano.
Mas muito da má fama dos anos 80,
vem da situação economica.
Jose Sarney, era o presidente da
Republica. Assumiu, depois do falecimento do presidente indiretamente eleito,
Tancredo Neves, de quem era vice.
A equipe economica do Sarney,
implantou os planos Cruzados e o plano Bresser. Congelou os preços, introduziu
uma nova moeda, o Cruzado e mesmo no começo o plano ter dado certo... O fim foi
catastrófico.
Os produtos desapareciam das
prateleiras, foi uma imensa escassez, que nem mesmos os fiscais do Sarney,
pessoas comuns que fiscalizam os preços do comercio, não podiam controlar. A
inflação ficou descontrolada. Mesmo com algum pequeno crescimento economico, a
hecatombe já estava criada.
No começo do governo, a taxa de
inflação era de 242% anual. No fim do mandato, em 1990, ela já alcançava 1.972%
ao ano. Hoje, março de 2023, a inflação
medida pelo IPCA, gira em torno de 3 a 5%.
Os vagas de emprego com remuneração razoável,
virou item raro. O desemprego chegava a 4%.
E dentro de todo esse contexto
histórico, Raimundo Nonato Alves da Conceição, era um dos brasileiros inseridos
nos 4% de desempregados no país sofrendo com a escassez e a dificuldade de
voltar ao mercado de trabalho com um salário digno.
Raimundo Nonato tinha 28 anos.
Nascido na cidade de Vitorino Freire, no Maranhão, distante 325 km da capital
do estado, São Luis. Filho de Maria Alves da Conceição e José Canário de Assunção.
O pai era garimpeiro no Pará.
De todos os irmãos, tinha mais
proximidade com Antonio, que morava em São Gonçalo, aqui no Rio de Janeiro.
A profissão dele era tratorista. Não
tinha endereço fixo. Vivia de trabalho em trabalho, de cidade em cidade. Mas
sempre que estava em Belo Horizonte, ficava hospedado em uma pensão, chamada
Pensão Paulista, ponto de hospedagem de contratos por empreiteiras, na Avenida
Olegario Maciel, 82, no Centro de BH. Não fumava, não bebia, dormia muito cedo,
não falava palavrão.
No 2º semestre de 1988, Raimundo foi
demitido da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) trabalhava lá como
operador de rolo compactador Depois de brigar na obra na cidade de Rio
Piracicaba, em Minas Gerais, com um dos engenheiros.. Antes, trabalhara na
construtora Mendes Junior, onde, por duas vezes, chegou a ser enviado ao
Iraque, trabalhar em obras da empresa.
As ofertas de trabalho tornaram-se muito
poucas e as que existiam pagavam muito pouco.
O dinheiro de Raimundo começou a
diminuir e o ódio e frustação, crescem.
Ele começa a culpar José Sarney pela
sua situação. E mataria e morreria para se vingar dele.
Ele traça um plano que resolveria o
seu problema: mataria Sarney. E começa a planejar como ele faria isso.
Sequestraria um avião e o arremessaria contra o Palácio do Planalto.
O plano dá inicio no dia 08 de
agosto de 1988. Raimundo vai ao Rio de Janeiro de avião e volta depois para
Belo Horizonte de ônibus.
Quinze dias depois, vai para o Rio
de Janeiro de ônibus e volta de avião para Belo Horizonte.
No Galeão, nota que os passageiros
eram além de revistados, obrigatoriamente passados por um raio-x.
No dia 10 de setembro, novamente vai
de avião para o Rio e volta para BH de ônibus.
Em Confins, percebe que a segurança
do aeroporto era muito menor. Praticamente inexistente. Não havia revista e não
havia detector de metais.
Com todas essas viagens, ele gastou
praticamente tudo o que ainda tinha guardado. Só havia sobrado o suficiente
para a sua passagem para o seu destino final: Brasilia.
E ele decidiu que tudo aconteceria
no dia 29 de setembro.
O Comandante Fernando Murilo de Lima
e Silva, acordou em Cuiaba as 3h45 da manha.
No dia anterior, ele havia saído do
Rio e pernoitado em Brasilia onde pegava o voo 374 (Rio-Porto Velho) já em
direção a Porto Velho. De Porto Velho, iam até Cuiabá e pernoitava. E em
Cuiaba, pegava o voo 375, com destino final rio de Janeiro.
Ele e sua tripulação, formada por
seu co piloto, Salvador Evangelista, Chefe de Equipe José Ribamar Abreu Pinho,
Comissários Angela Maria Rivetti Barros Barroso, Ronaldo Dias e Valente, fariam
Cuiabá, Goiânia, Brasilia, Belo horizonte e Rio de Janeiro.
Fernando Murilo nasceu no Rio de
Janeiro. Estudou no Colégio Pedro II e
depois prestou
concurso para a AFA, Academia da Força Aerea, formando-se em 1968, aos 21 anos.
Quando saiu da Aeronautica, foi
trabalhar em uma empresa de taxi aéreo no Mato Grosso. Acabou voltando para o
Rio. Trabalhou na Cruzeiro do Sul, uma antiga companhia aérea. Por fim, foi
para a Vasp, onde ficou até se aposentar, depois de 25 anos de empresa.
Ele voou em monomotores, bimotores,
turbohelices, DC-3 e em 1988, estava comandando Boeing. O primeiro Boeing foi
737-200 e naquele ano, estava no 737-300.
Quem o conhecia se referia a
Fernando Murilo como alguem sempre de bem com a vida.
Toda a experiencia, e mais de 19 mil
horas de voo, sem que ele soubesse, o havia preparado para tudo o que
aconteceria naquele voo 375, um trecho que ele fazia constantemente, mas que
jamais esqueceria.
Toda a tripulação é levada para
Confins na kombi da Vasp.
Salvador Evangelista, o seu co
piloto daquele voo, era um dos melhores amigos do comandante Fernando Murilo.
Salvador, ou como todo mundo o
chamava, Vângelis, era nascido em São Paulo, no dia 20 de setembro de 1956. filho
único do casal Adão Joel Rodrigues e Durvalina Rodrigues.
Aos dois anos, mudou-se com a
família para Curitiba onde morou por 25 anos.
Vângelis havia sido da Aeronatica e
servido por anos na Base Aerea de Natal.
Por 10 anos, voou no Aeroclube de
Curitiba e depois de 5 anos na Vasp como co piloto, começaria o treinamento
para comandante em fevereiro de 1989.
Casou-se com Cristiane com quem teve
uma filha, já com 7 anos, Wendy Fernandes Evagelista, que passara a morar com
os avós paternos em Curitiba após o divorcio dos pais.
Sempre que estava no Rio, Vângelis
ia até o apartamento de Fernando, na Avenida Epitácio Pessoa, , em São Conrado
no Rio para tocar musica, bater papo... Nas folgas dos voos, era locutor da
Rádio Imprensa, no rio, usando o nome de Francisco Salvador.
Apesar da fama de namorador, estava em
um relacionamento firme, namorando, Elizabete, com quem praticamente morava.
O Boeing 737-300, de prefixo Papa
Papa Sierra November Tango, no alfabeto fonético da aviação ou, PP SNT, saiu de
Cuiaba para Brasilia ainda de madrugada. Depois foi para Goiania, ficou no
Aeroporto Santa Genoveva por 1 hora até ir em direção a Belo Horizonte como voo
375.
Na pesquisa desse caso, eu li o
livro de Ivan Santana, chamado Caixa Preta, onde ele relata 3 casos de
tragedias aéreas. Ele inclusive, tambem escreveu o livro Bateau Mouche, sobre o
naufrágio do navio na noite de ano novo aqui no Rio.
No livro, Ivan conta que o
comissário Valente, contou para a comissaria Angela, um dia antes, que sonhara
que eles estavam no meio de um tiroteio e que os seus sonhos se realizavam. Ele
não poderia estar mais certo. Mas aquilo não era um sonho. Era um pesadelo. E
ele estava próximo de começar.
Raimundo tambem acordara cedo. Colocou
uma calça jeans, camiseta branca e jaqueta jeans. Arrumou sua mochila com
roupas, um maço de cartas, revistas pornôs, um caderno de anotações, um
talismã, remédios, talco e um álbum de fotos, entre elas, fotos dele no Iraque,
na praia no Rio de Janeiro com a namorada, uma menina de 13 anos, que depois
dos pais descobrirem sobre os encontros dos dois, foi proibida de ter contato
com Raimundo.
Dentro da mochila ele tambem colocou
uma Colt calibre 32, cano curto com capacidade para 6 cartuchos, uma caixa de
munição e o recibo do revolver. Tambem levou consigo seu ultimo contra cheque,
de junho de 1988. Ele ganhara 6.253,62 cruzados por semana.
Em BH, Gilberto Renhe, 33 anos, ia
para o Aerporto de Confins. Samara, sua esposa, ia deixa-lo no aeroporto antes
de ir trabalhar.
Gilberto iria para o Rio se
apresentar para um curso de instrução para comandante. Ele estava na Vasp há 6
anos e era co piloto. No fim daquele curso, ele passaria a ser comandante de um
Boeing 737-200. Ele se apresentaria no voo 375 pra pegar uma carona até o rio.
O voo 375 pousou em Confins as
10:03.
Dentro do aeroporto, Raimundo
comprava sua passagem no balcão da Vasp por 15.806 cruzados, mais da metade de
um mês inteiro do salario dele, caso estivesse trabalhando. Não foi pedido documento de identificação, mas
ele deu o seu próprio nome ao comprar, Raimundo Nonato.
Trinta e sete passageiros desceram.
O avião foi para o pátio ser reabastecido. Ele tinha capacidade para 50 mil
litros de querosene de aviação. O suficiente para o trajeto, um pouso em São
Paulo caso seja impossível pousar no rio e mais 45 min de combustível para
emergências.
No voo, entraram 3 japoneses,
diretores da Mitsubishi do Brasil, Kawasaki Steel e Kawasaki no Brasil, além de
diversos integrantes da na época ainda chamada Companhia Vale do Rio Doce, hoje
Vale, onde, para quem não sabe, eu prestei serviço durante alguns anos. Uma
curiosidade sobre mim pra vcs kkkk. Trabalhei lá na area de Medicina
Ocupacional, como Assistente Administrativa, do nada anos depois, virei
podcaster. Kkkkk
Ainda no voo, havia tambem um grupo
de funcionários da alta administração do BDMG, banco de desenvolvimento de
Minas e o irmão do ministro Chefe da Casa Civil do governo Sarney.
Renhe, se apresenta ao comandante do
voo, Fernando Murilo. Ele não sabia que Salvador era o co piloto do voo.
Ele e Vangelis eram como irmãos. Voaram
juntos na FAB, na Base Aerea de Natal. Os dois acabaram pedindo baixa e foram
para uma empresa aérea regional no Nordeste.
E dessa empresa, tambem juntos, foram
para a Vasp. Moraram em São Paulo dividindo um apartamento por 2 anos.
Para ficar juntos dos dois amigos,
ele acabou sentando no jump seat, um assento extra que ficava no cockpit e que
tem esse nome porque ele se retrai assim que o ocupante se levanta.
Sessenta passageiros em Confins, com
os 38 que vinham das paradas anteriores, o voo 375 iriam para o Rio com 98 passageiros.
Como os bilhetes de passagem em 1988
não vinham com assentos marcados, cada passageiro escolhia seu lugar.
Raimundo optou pelo assento 3C. no
corredor da 3ª fila, próximo ao cokpit.
Ao contrario dos demais passageiros,
manteve sua bagagem de mão, a mochila, no seu colo, abraçando a contra o peito.
O VP 375 decolou as 10:52 da manha,
com 7 minutos de atraso.
Os comissários começam a preparar os
lanches a serem servidos.
O comandante Murilo pede o almoço.
Raimundo recusa o lanche, quando ele
é oferecido. Seu foco está o tempo todo na porta do cockpit.
Quando o avião já estava sobrevoando
Barra do Pirai, aqui no Rio de Janeiro, o comandante pede autorização a torre
de controle para iniciar a descida. Ele é autorizado.
Raimundo nota que a aeronave está
descendo. Chegou o momento de agir e colocar em prática seu plano de vingança
contra José Sarney.
Ele levanta do seu assento. A
mochila ainda comprimida com os braços contra o peito. Uma das mãos, a direita,
dentro da mochila, seguranda o Colt.
Com a mãe esquerda, que estava
livre, ele tenta abrir a porta. Ela estava trancada por dentro.
O Comissário Dias estava na galley,
o local onde os comissários preparam comida, esquentam e que fica próxima a entrada
do cockpit.
Ao ver Raimundo tentando abrir a
porta e acreditando que ele estava confuso procurando o banheiro, avisa que o
banheiro era outra porta. Mas o passageiro continuou girando a maçaneta
insistentemente. Ele então, em um tom um pouco mais firme, já que o passageiro
parecia não o ouvir, diz que ali, era proibido entrar.
O homem então, tira a mao de dentro
da mochila. Ele estava armado. Dias só conseguiu virar a cabeça. Raimundo
atirou contra o comissário. O tiro passa de raspão na orelha direita dele.
Desesperado e sangrando muito, Dias corre.
Fernando Murilo ouve o barulho e diz
aos amigos dentro do cockpit que aquilo era um tiro.
Ele pede que Renhe verifique a porta
e tranque. Do olho magico, Renhe ve o homem armado parado na porta.
Dias correu pelo corredor do avião
segurando a orelha e gritando que um homem estava atirando. Se jogou no chão
sem entender o que estava acontecendo.
Raimundo começa a atirar na porta,
ao redor do tranca.
Os tiros começaram a resvalar no
painel de instrumentos. Uma deles bateu no encosto da cadeira de comando,
enquanto Murilo e Vângelis tentavam se esconder.
Renhe, ao levantar do jump seat pra
sair da area de tiro, é atingido na perna.
Nesse momento, tanto a tripulação
quanto os passageiros, já estavam pelas fileiras tentando de alguma forma se
esconder.
Como os tiros não cessavam, Murilo
pediu que abrissem a porta antes que os tiros matassem os 3.
Assim que entrou, Raimundo grita:
“ Vamos para Brasilia”
Sem alarde e no meio da confusão que
se seguiu, o comandante gira os botões do transponder e insere o código 7500, o
código universal de interferência ilícita, ou seja sequestro!
O Centro Integrado de Defesa Aerea é
notificado de que um avião comercial havia sido sequestrado.
Fazendo o que Raimundo, enquanto
apontava a arma, ordenava, Fernando Murilo muda a rota. Ele ve Renhe ferido e
pede que o sequestrador deixe ele ir para fora do cockpit tentar ajuda pro
ferimento.
Depois de certa insistência, ele
permite.
O operador do Cindacta, pede via
rádio, que o comando confirme a mudança de rota.
Vângelis, automaticamente, sem
pensar, se inclina para pegar o microfone e responder. Mas não teve tempo.
Raimundo encosta o revólver na têmpora
esquerda dele e atira. Vângelis treme, agoniza e morre, caído no manche do Boeing
737-300.
Murilo se desespera ao ver o amigo
morto. E indaga, enquanto chora, porque Raimundo havia feito aquilo, ele tinha
uma filhinha de 7 anos. Raimundo só responde:
“Ele ia
tentar alguma coisa”
Murilo aperta um botão no manche que
abria para a torre de controle o pequeno microfone que ficava próximo a sua
boca e avisa baixinho: “Ele matou meu co piloto”
Em completo desespero, cinco
passageiros se amontoavam nos banheiros tentando se proteger de alguma forma.
Uma enfermeira que estava no voo,
nas primeiras filas, pediu ao sequestrador que estava entre o cockpit e o
corredor, para se levantar. Ele permite. Ela tenta ajudar os feridos. Faz uma
bandagem para o ferimento na orelha do comissário e depois improvisa um
torniquete para o perna de Renhe.
Nesse interim, a Operação Aerporto
já estava montada. Policia Militar, Corpo de Bombeiros, Policia Federal...
Quase 300 pessoas foram movimentadas para lidar com o sequestro do Vasp 375.
A Policia Federal foi imediatamente
avisada pelo Cindacta assim que o sequestro começou, de que o avião estava indo
para Brasilia.
A Aeronáutica ordena a interdição
dos aeroportos de Brasília, Anápolis e Goiânia.
Sarney é avisado do que estava
acontecendo. Ele cancela a agenda do dia e determina que não se negociasse com
o sequestrador.
Em Brasília, todo o entorno de
aeroporto é fechado. Pousos e decolagens proibidos.
Raimundo avisou a Murilo que eles
iam jogar o avião em cima do Palácio do Planalto.
Sabendo do que Raimundo pretendia e com
a responsabilidade não só da sua vida, mas da vida de outras 105 pessoas, ao
ver que Brasília se aproximava, Murilo optou por manobrar a aeronave até um
conjunto de nuvens e simular um contato com a torre de controle aéreo, dizendo
que o tempo em Brasil estava fechado, o que impossibilitava o pouso no
Aeroporto de Brasília.
Raimundo, o tempo todo com o
revolver na cabeça do comandante, olha pela janela procurando ver o Palácio do Planalto,
mas as nuvens impediam. Ordenou que ele pousasse o avião. Murilo insiste que
estava fechado. Raimundo então manda que ele vá para Goiânia.
Por alguma razão que não sabemos,
Raimundo vai até as fileiras e pergunta em inglês, se havia algum estrangeiro
no voo. Viu um homem e ainda em inglês, perguntou qual era a nacionalidade
dele. Ele responde ser iraniano. Sem dizer nada, Raimundo vira as costas e
volta para o cockpit.
No Rio, dezenas de familiares se
amontoavam no balcão da Vasp em desespero, querendo noticias dos seus familiares.
A imprensa soube sobre o sequestro e
desde então equipes de todas os veículos de comunicação foram enviados ao
aeroporto de Brasilia para acompanharem, muito em entradas ao vivo, como estava
a situação do sequestro de uma avião comercial com 105 pessoas a bordo. A lista
de passageiros só seria confirmada horas depois,.
Pessoas no aeroporto de Goiânia acompanhando o sequestro pela TV
Sem imaginar o que estava
acontecendo, Fernando Alves Lima e silva, de 14 anos, prepara algo pra comer
depois de voltar da escola, Arte e Instrução em Jacarepagua e ir direto para o
apartamento do pai em São Conrado.
Sempre que o pai ia trabalhar, ele,
que morava em Magalhaes Bastos com a mae e dois irmãos mais novos do segundo
casamento da mae, ia ficar no apartamento do pai, na Avenida Niemeyer, numero
815, apartamento 803.
Fernando senta no sofá e liga a tv
para assistir enquanto almoça. Em choque, ele ve a foto do seu pai na
televisão. O avião que ele comandava fora sequestrado em pleno voo.
Tania, namorada do pai, liga pra ele
e tenta acalma-lo. As noticias eram de que um tripulante estava morto, mas que
ele ficasse bem, não era o pai dele. Não se sabia quem era mas Murilo estava
vivo e em contato com as autoridades responsáveis pelo espaço aéreo. Mas nada
conseguia deixar o adolescente mais calmo. Depois de desligar o telefone,
chorou copiosamente sem saber como estava seu pai.
Vilma, sua mãe, assim que soube, foi
para São Conrado ficar como filho mais velho.
Juntos, ligaram para a Vasp atras de
informações sobre Murilo.
O fato de que, dentro do avião
sequestrado estava o irmão de um dos ministros do governo foi descoberto pela Tv
Globo. O governo entrou em contato com a Globo e manteve esse contato, pedindo
que aquela informação fosse mantida em sigilo. O medo era de que, sabendo, o
sequestrador utilizasse disso como vantagem.
No caminho para Anápolis, Raimundo
muda de opinião, manda que a rota seja alterada para Goiânia.
Em Anápolis, a Aeronáutica possuía
uma Base Aérea e de lá, enviou um caça Mirage para interceptar e acompanhar o
Boeing.
Dentro do avião, Raimundo fala se
dirigindo aos passageiros:
“Eu queria pedir desculpas a vocês por tudo o
que está acontecendo.”
Quando o Vasp se aproximava do
Aeroporto Santa Genoveva, em Goiânia, Raimundo aponta o revolver na cabeça de
Murilo: “Vamos para São Paulo”
As luzes das bombas de combustível
começam a piscar. Os motores iam parar a qualquer momento. Só tinha mais 800 kg
de combustível, o que para um Boeing
737-300, nas fontes, eles comparam ao que seria 2 litros de combustível em um
carro pequeno.
Murilo tentou pensar rápido. Nada do
que ele dizia, parecia mudar a ideia do homem que apontava uma arma para ele.
Nem as luzes de emergência piscando, nem o caça Mirage bem ao lado da janela
acompanhando o voo. O homem não desistiria.
Ele teve uma ideia louca. Uma
manobra que ele já havia feito mas nunca em avião daquele tamanho. Não sabia
nem algum dia, alguem já tinha feito. Mas ele não tinha escolha. O motor ia
parar. Aquele homem já havia atirado em um dos seus amigos e matado outro. Ele
era capaz de tudo.
Mas Murilo tambem era, para salvar
sua tripulação e os seus passageiros.
O tonneau é uma manobra onde o avião
gira no seu próprio eixo. O avião vira ficando de cabeça pra baixo e volta ao
eixo.
Se desse certo, aquele homem
perderia o equilíbrio e alguem talvez conseguisse o segurar.
O comandante aperta o alerta de
apertar os cintos repetidamente, tentando fazer os passageiros entenderem que
algo aconteceria e se segurassem.
Ele desativa o piloto automático.
Com a mao direita aumentou a velocidade do Boeing, levou o manche para frente
girante para a esquerda e chutou o pedal direito.
Aquilo nunca havia sido feito em um
737-300.
Mas, Raimundo não caiu no chão. Ele
grudou na porta com a mão esquerda e continuou segurando o revólver com a
direita.
O motor esquerdo parou. O aeroporto
de Goiânia estava próximo.
Murilo optou por tentar uma outra
manobra que derrubasse o sequestrador.
O comandante inclinou a asa esquerda,
deu um coice no pedal esquerdo e fez um parafuso.
Máscaras de oxigênio começaram a
cair do teto.
Finalmente Raimundo caiu, mas antes
que tentassem o dominar, ele consegue pegar a arma e aponta para o comandante.
Como o aeroporto já esta na sua
frente, ele domina o avião, consegue alinhar e pousa.
Partes do avião depois, foram
encontradas em um conjunto de casas.
Eram 14:15 da tarde.
Vendo que estavam na pista de algum
aeroporto, os passageiros escondidos na parte traseira, cogitaram abrir a porta
de emergência e saírem. A comissária Angela os convence a não tentarem, sob o
risco do sequestrador perceber e irritado matar alguem que não saiu.
Quinze minutos depois do pouso, as
negociações se iniciam.
Raimundo exigia, atraves do Murilo, que o
avião fosse reabastecido para ir a Brasília. Seria impossível. Com as manobras
o avião estava muito danificado. Para chegar até o pátio e ser reabastecido, só
guinchando o avião. E Murilo, duvidava muito que iria permitir que aquele avião
levantasse voo novamente.
Murilo pede que o corpo de Vângelis,
com o rosto ainda virado para Murilo, em cima do manche, fosse retirado. Tambem
pediram que as mulheres, crianças e feridos pudessem ser libertados. Depois de
primeiro negar, ele permite que seja retirado o corpo do co piloto e que os
feridos desçam, somente.
O médico a bordo, mesmo ouvindo o
pedido do comandante de ir ao cockpit socorrer um tripulante, permanece imóvel.
Com a negativa de resposta de alguem
Murilo requisita o chefe de equipe e um comissário.
Angela chega, consegue colocar o
corpo de Vângelis no chão, mas não aguenta e acaba desmaiando vendo a situação.
Pinho, o chefe da equipe, tambem
chega. Vendo Angela desmaiada, chama o comissário Valente, enquanto Angela
consegue voltar e sai vomitando.
Renhe e Dias, os dois feridos, arrastaram o corpo para a saída.
O calor dentro do avião estava
insuportável. As janelas não abrem e sem combustível, não era possivel manter o
sistema de refrigeração.
Diversos militares começam a rodear
o avião na pista. Raimundo ao perceber a aproximação, ameaça começar a matar.
Os militares se afastam.
Entendendo que o avião não seria
reabastecido, ele exige um caça.
A Policia Federal concorda em ceder
um avião, mas oferece um Bandeirante.
Antes das 7 da noite, Romeu Tuma,
superintendente da Policia Federal via rádio, promete que não haveria tiros,
exceto se o babaca do sequestrador atirasse.
Anoiteceu e finalmente, Raimundo
concordou com a troca.
O Bandeirante, segundo ele, só
poderia ter 1 tripulante, o piloto e e ele estaria de calção sem camisa. A
aeronave deveria ser estacionada na cauda do Boeing.
Para se sentir mais seguro, o
sequestrador pede que o Bandeirante de 4 voltas ao redor do Boeing.
Colocou Murilo em pé, com o revolver
na cabeça. Sairia, mas levaria ele, Valente e Angela junto para o Bandeirante.
Lá, soltaria Angela, mas os outros 2 iriam com ele para Brasilia.
Já fazia 8 horas e 3 minutos desde a
decolagem de BH.
Os 3 formaram um escudo ao redor de
Raimundo e desceram da aeronave.
O que eles não sabiam é que o
Bandeirante era uma armadilha.
Dentro dele, na parte traseira,
atras de um plástico preto disfarçado de cortina, estava posicionado um
atirador de elite com uma pistola .765.
A aeronave estava sem porta e sem
escada. A ideia era que, precisando usar as duas mãos pra subir, ele precisaria
ficar sem a arma e fácil de ser abatido.
Murilo precisou juntar as duas mãos
dele em concha, perto de onde ficava a porta do Bandeirante para dar impulso
para o sequestrador subir no Bandeirante. Tanto Valente quanto Angela, foram se
afastando devagar. Quase como que pressentindo o que aconteceria.
O atirador dentro da aeronave, puxou
o gatilho antes que Raimundo terminasse de entrar. O tiro passou de raspão no
rosto de Murilo que soltou as mãos e correu.
Raimundo caiu ao chão. Caido e cheio
de raiva, se sentido traído por Murilo, ele alcança o revolver e atira em
Murilo, mirando no peito. Acerta na perna esquerda do comandante.
Em zigue zague, Murilo corre
enquanto ouve os tiros na direção dele.
Começa um verdadeiro tiroteiro.
Raimundo atirava, a policia atirava, voava tiro pra todo lado.
Dentro do Bandeirante, o atirador
acerta 3 tiros em Raimundo. Um atingiu o intestino grosso, outro o abdômen e o
ultimo em uma das nadegas.
Um agente da Policia Federal tambem
foi ferido no tiroteio.
Todos os feridos são encaminhados
para o Hospital Santa Genoveva.
Um boletim, das 20:30, divulgado pelo
hospital, afirmava que Raimundo estava sendo atendido e seus sinais vitais eram
normais.
Três horas depois, os jornalistas
tiveram acesso ao sequestrador. Ele saia do centro cirúrgico, depois de 5 horas
e 40 minutos de cirurgia para remover os tiros.
Os passageiros sem necessidade de
atendimento hospitalar foram levados pela VASP para o Hotel Umuarama e pela TV
acompanharam os desdobramentos no noticiário.
No dia seguinte saiu da UTI para um
apartamento no hospital.
No domingo, um escrivão e um
delegado da Policia Federal ouviram Raimundo em interrogatório algemado na cama
do hospital.
O que ele dizia era que o sequestro foi
por motivos pessoais não por razoes politicas. A um médico , disse que queria
salvar o Brasil.
Surgiram boatos de que ele pediu a
Rádio Globo e a Rádio Nacional que passassem uma mensagem para o seu pai, que
morava em Itaituba, no Pará e tambem para o seu irmão no Rio.
Uma Comissão de Segurança
Aeroportuaria com representantes da Aeronautica, dos Aeroportos, Policia Federal,
Policia Civil, Receita Federal e empresas aéreas, é formada para discutir como
pode ter acontecido o sequestro.
Mas, a primeira entrevista do
Ministro da Aeronautica, foi dizendo que a revista de passageiros não seria
reforçada, aquilo tudo era um fato isolado, de um psicopata.
O corpo de Vângelis foi levado de
caça para Curitiba. Ele foi velado na capela do Cemitério da Agua Verde e
enterrado no Cemiterio Parque da Saudade, no bairro do Portoes em Curitiba. Cem
pessoas compareceram ao enterro. Dois aviões de pequeno porte sobrevoaram o
cemitério em homenagem ao aviador.
Quando Raimundo Nonato seria
transferido para a prisão, depois da alta hospitalar, ele morreu. Na cama do
hospital. Sem aparente razão.
O hospital e o Instituto Médico
Legal de Goiania não quiseram fornecer o atestado de óbito.
A Policia Federal então, chama o
legista Badan Palhares. O laudo dele diz que a causa mortis foi quadro
infeccioso advinda de uma anemia falciforme.
Mas lembram que eu disse, que muitos
casos são interligados de alguma forma ou de outra, quase naquela sequencia de pontos?
Conectados por acasos e coincidências?
Pois bem. O Badan Palhares poucos
anos depois, em 1993, ficou muito famoso por ter sido quem tbm foi chamado pela
policia, para investigar a morte de PC Farias. Que todos sabemos o quão
controverso foi o laudo dele, que mesmo sendo médico legista, afirmou que
Suzana Marcolino matou o namorado e depois se matou.
Logo, as pessoas lembraram da morte suspeita
de Raimundo e dos boatos a época de que Raimundo havia sido assassinado.
Nada foi provado ate hoje e a
historia, virou somente historia.
No Dia do Aviador, 23 de outubro, o
comandante Fernando Murilo recebeu a Ordem do Mérito Aeronautico. Wendy, que
fez 8 anos, 5 dias depois do falecimento do pai, tbm recebeu uma medalha em
miniatura, em lembrança ao pai.
Murilo ficou 2 meses se recuperando
do tiro na perna. Fez fisioterapia e novos exames para poder retornar ao
trabalho. Por um tempo, so fez o trajeto dos voos 374/375, pra que a VASP
soubesse como ele reagiria e se sentiria bem pilotando novamente.
A VASP inaugurou uma praça na sede
da empresa no Aeroporto de Congonhas que recebeu o nome de Salvador
Evangelista.
Depois de se aposentar, Murilo ficou
um tempo dando aula em Curitiba Voltou a voar pela Ocean Air, que foi depois
adquirida pela Avianca. Ficou um tempo na companhia de cargas Rio Linhas Aereas
ate que parou de vez e foi morar em Buzios, na região dos Lagos aqui no Rio.
Em 2001, ele foi com um enorme
atraso, homenageado pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas com o troféu
Destaque Aeronauta.
Infelizmente, Murilo faleceu no dia
26 de agosto de 2020, de complicações de diabetes e problemas cardíacos. Deixou
esposa e 2 filhos.
Jose Sarney nunca falou, ligou ou
agradeceu ao ato heroico do Comandante Fernando Murilo.
Wendy, entrou na justiça contra a
Infraero em 2007, pedindo uma indenização pela morte do pai e uma pensão
vitalícia.
Após 23 anos, em 2011, a Infraero
foi condenada em 2ª instância a pagar uma indenização por danos morais a Wendy
Evangelista no valor de R$ 250 mil reais. Eles recorreram ao STJ e ate o
momento, até onde eu consegui apurar, a indenização não foi paga.
Hoje ela é psicóloga é casada e mae
de 3 filhos.
Um filme, com a Disney como
produtora, vem sendo gravado sobre esse caso. Com um investimento de mais de R$
15 milhoes, dirigida por Marcos Baldini, teve a colaboração do Murilo, da
Wendy, de vários envolvidos no caso, de passageiros e esta sendo gravada em São
Bernardo do Campo. A Esrtreia esta prevista para ser ainda esse ano de 2023.
Fontes de Pesquisa
Sant'Anna, I. (2000). Caixa Preta. Rio de
Janeiro: Objetiva LTDA.
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