T02 Ep18 O caso do Ritual Satânico de Novo Hamburgo
O Caso
No dia 04 de setembro de 2017, um catador de lixo passava
logo pela manhã cedo, na Estrada Porto das Tranqueiras, no bairro Lomba Grande,
em Novo Hamburgo. Uma estrada de chão no interior da cidade.
Ele vê
caixas de papelão e resolve pegar, mas quando chega perto, descobre que na
caixa, tinham partes de corpos humanos.
Um
morador, avisado pelo catador, liga para a Brigada Militar e avisa do que foi
encontrado.
O
delegado titular, Rogério Baggio e a perícia vão para o local de encontro de
cadáver, como é chamado o local em que não há elementos criminalísticos que
geram a convicção de que aquele local é onde ocorreu o crime. Na caixa, existia um tronco e dentro de uma
sacola, encontraram outro tronco.
A polícia,
imaginou se tratar, naquele primeiro momento, de uma mulher e um menino e que o
crime fosse algo relacionado a guerra do tráfico ou crime passional.
Três
dias depois, o Instituto Geral de Perícias, descobre que os troncos eram de um
menino entre 8 e 9 anos e uma menina entre 10 e 12 anos.
Novas diligências
foram feitas no local a procura de novos vestígios e no dia 18 de setembro, a
500 metros de onde os troncos já tinham sido encontrados, na beira de um rio
que passava perto, outras partes dos corpos acabaram sendo localizados. Porém,
as cabeças não foram achadas.
Rogério
Baggio passa 3 meses investigando o caso. As caixas que estavam no local e onde
um dos troncos encontrava-se, tambem foram verificadas. Descobriu-se que o
produto que vinham naquelas caixas era produzido em Pernambuco, mas vendido só até
o Estado de São Paulo. No fim, era uma pista boa, mas que não possibilitou que
se avançasse muito no caso.
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Delegado Rogério Baggio, titular da 2ª Delegacia de Novo Hamburgo |
No dia
28 de setembro, saiu o exame de DNA pedido pelo delegado. As crianças era
irmãos, da mesma mãe, mas de pais diferentes.
Nos
registros de desaparecimentos do Estado não constava denuncia de sumiço de
irmãos, as digitais delas tambem não constavam nos registros civis e sem as
cabeças, não era possivel fazer um retrato falado.
A polícia
tambem fez buscas nas escolas da região, procurando irmãos que começaram a
faltar aulas ou que tivessem sumido sem explicações. Não havia crianças,
irmãos, faltando aulas.
Era um
novo beco sem saída.
O fato
de que nenhum parente, principalmente a mãe dessas crianças, ainda não tivesse
aparecido buscando pelos filhos, só deixava o caso mais misterioso e difícil de
ser solucionado. Estaria a mãe morta tambem?
Nesses
3 meses de investigação, a polícia não havia conseguido avançar muito. A linha
de investigação era a possibilidade de as crianças não serem brasileiras e
serem de algum país que faz divisa com o Rio Grande do Sul, Paraguai, Uruguai
ou Argentina.
O exame
toxicológico feito nos dois corpos, encontrou álcool no sangue do menino, 15
decigramas por litro de sangue. Para a comparação, entre 8 e 15 decigramas
equivalem a mais ou menos uns 6 copos de cerveja e acima de 15, já é
considerado como uma quantidade de álcool que causa torpor. Isso em um adulto,
estamos falando de um menino de no máximo 9 anos.
No fim
de novembro, foram encontrados crânios em São Leopoldo e a polícia investigou
se poderia ser dos corpos, mas não houve confirmação. Não eram das duas
crianças.
Logo no
início de dezembro de 2017, no dia 10, o delegado titular Rogerio Baggio, sai
de férias e é substituído pelo delegado veterano Moacir Fermino Bernardo.
Fermino
já era delegado a muitos anos. Concorreu a vereador por 2 vezes, em São
Leopoldo, cidade vizinha de Novo Hamburgo, mas não conseguiu se eleger.
O
delegado Fermino liderou a investigação do latrocínio de Vitor Hugo Vitola, da
esposa dele e da empregada do casal, em 1998, lá na praia do Cassino, que para
refrescar sua memória, falamos sobre esses assassinatos no episodio 5 dessa
temporada, no caso do maníaco do Cassino.
Esse
crime, tendo ocorrido na mesma época, muito se pensou ter alguma conexão, mas
não pode ser ligado aos outros crimes. Diversas pessoas foram acusadas do
latrocínio, 9 pessoas foram indiciadas por Moacir. Sete delas acabaram por ser
inocentadas por falta de provas.
Quando
o caso ganhou uma certa notoriedade, Moacir Fermino começou uma investigação
paralela a do Rogério Baggio.
Um
morador de Novo Hamburgo, dono de um ferro velho, chamado Paulo Sérgio Lehmen,
ligou para o delegado Fermino com informações sobre o crime.
Paulo Lehmen |
Em 9
dias, o caso que em 3 meses praticamente não tinha evoluído, segundo Fermino,
estava solucionado. Ele pediu a justiça mandados de prisão para 7 pessoas.
Dia 27
de dezembro de 2017, delegado Fermino e outros policiais vão até o bairro de
Morungava, em Gravataí, quase 50 km de Novo Hamburgo, em um sítio, onde ficava
um tempo, chamado de Templo de Lúcifer, presidido por Silvio Fernandes
Rodrigues.
Silvio
recebe voz de prisão. Outras duas pessoas que estavam tambem no templo, são
levadas presas.
Quem
era Silvio e porque ele foi preso?
Silvio se denominava mestre e bruxo e tinha ali no sítio em que morava, um templo dedicado a Lúcifer. A adoração satânica.
Lembram
do Paulo, o que ligou para Moacir quando ele ainda não tinha assumido o caso?
O Paulo
diz que, as duas crianças foram mortas e esquartejadas, em um ritual satânico
promovido por Silvio e pago por 2 empresários de Novo Hamburgo.
Ele
apresenta testemunhas. Três no total. Uma delas, uma mulher que dizia estar
trabalhando próximo ao sítio e ter presenciado todo o ritual de sacrifício.
Contando em detalhes sobre como estavam as crianças e como elas foram
assassinadas.
Outra
testemunha era o próprio filho de Paulo.
A motivação
dos empresários era conquistar prosperidade nos negócios deles, tanto no ramo
imobiliário que eles já estavam há alguns anos, quanto no de venda de
automóveis.
A história
do Paulo baseava-se em um livro de magia negra e nessas supostas testemunhas.
Essas
pessoas começaram a aparecer depois do dia 04 de janeiro, contando o que teriam
visto e dando os nomes de Silvio, dois seguidores e dois empresários e um outro
homem.
Foi
respaldado nessas testemunhas que Moacir requisitou o mandado de prisão e
dirigiu-se ao sítio.
E ele
não perdeu tempo. No dia 08, ele convocou a imprensa para contar sobre a
resolução do caso e a conclusão do inquérito, de acordo com ele, depois da
operação policial que ele nomeou como Revelação.
Ele
defendia que, as crianças haviam sido esquartejadas no templo a mando dos
empresários Jair da Silva e Paulo Ademir Norbert da Silva, socio de Jair.
Jair da Silva |
Paulo Ademir |
Nessa coletiva de imprensa, Fermino diz que seu inquérito se baseava nas testemunhas e que os nomes dos suspeitos, vieram por intermédio de uma revelação divina.
Para
que o ritual tivesse eficácia, o sacrifício precisava ser de pessoas do mesmo
sangue. Então, em troca de um caminhão roubado, os dois empresários,
contrataram um argentino, chamado Jorge Adrian Alves e que seria um seguidor de
Silvio. Ele foi na província de Corrientes na Argentina, uma região pobre, e
pegou as duas crianças, prometendo levá-las para um passeio.
Jorge Adrian |
Pelo
ritual, Silvio cobrou R$ 25 mil reais que foi pago pelos empresários.
O
ritual precisaria da cabeça, sangue e parte das coxas das crianças e que só
poderia ser feito em lua crescente, a fase da lua no início de setembro.
Fermino
apresentou na coletiva, uma máscara de borracha, de um cachorro e uma capa
preta, que teriam sido usados no sacrifício. Tambem disse ter encontrado no
templo, imagens de demônio, livros de bruxaria, magia negra e maçonaria.
Tudo
isso relatado pelo delegado.
O
templo seria de adoração a Moloch, um deus adorado pelos fenícios, pelos cartaginenses,
com corpo de homem e cabeça de boi, sempre representado sentado em um trono e
que recebia sacrifícios de recém-nascidos.
Adoração a Moloch |
Fontes
da delegacia em uma entrevista ao Jornal NH, da região, diz que as crianças
foram decapitadas vivas e que foram canibalizadas e as suas partes, foram
espalhadas em um quadrado ou um losango no terreno, que era um terreno que os
donos queriam vender. Antes do ritual, os dois empresários, tinham ido até uma
igreja, colocado gotas do seu sangue em cima de uma bíblia enquanto dentro da
igreja, renunciavam a Jesus e que a bíblia, foi levada até o templo e exposta
aberta por 7 dias.
Para a
imprensa, aquilo era um prato cheio. A cobertura sensacionalista adorou a ideia
de que tudo aquilo era proveniente de um ritual macabro e começou a linkar o
caso com outros desaparecimentos do país. Os acusados, que foram presos, não
foram ouvidos, mas “fontes” da polícia estavam constantemente, as vezes até em
duas reportagens do dia, em matérias de destaque nos jornais gaúchos.
Silvio,
Anderson da Silva, André Jorge da Silva, filho de Jair, o próprio Jair, Paulo
Ademir e Marcio Brustolin, indicado como o responsavel por apresentar os
empresários a Silvio e negociar o ritual, foram presos.
André Jorge |
Silvio
ficou 40 dias preso.
A esposa
dele tambem foi presa, acusada de furto de energia elétrica.
O
Silvio contou que, quando foi preso, Fermino teria dito a ele que era Deus e
que vinha para prender Satanás.
Alguns
anos antes, Fermino havia se convertido e tornando-se evangélico. Em uma das
entrevistas que ele concedeu ainda nos dias após a prisão do Silvio, um
repórter perguntou se, no dia em que ele entrou no templo, sentiu medo e ele
responde que não, porque era ungido, porque Deus era com ele e ele não
precisava ter medo, os outros policiais ficaram, mas ele não.
Mas o
caso, que para a imprensa e a maioria da população do Rio Grande do Sul, estava
resolvido, ainda teria uma imensa reviravolta.
No dia
10 de janeiro de 2018, o delegado titular volta dos seus 30 dias de
férias. E é quando tudo muda,
drasticamente.
Logo
que ele retorna e começa a se inteirar de como estava a investigação e o
inquérito, concluído pelo delegado Fermino, uma testemunha se apresenta na
delegacia, com a mesma narrativa sobre Silvio e as outras pessoas presas.
Mas o
delegado começou a notar diversas inconsistências nos relatos.
A
Corregedoria envolve-se no caso e interroga as 3 testemunhas. É nesses interrogatórios
que elas confessam que seus depoimentos, eram mentiras.
Para
que contassem aquela história, Paulo, prometeu a elas dinheiro. A tal mulher, a
que viu todo o ritual, estava com muitos problemas financeiros e Paulo ofereceu
além de 3 mil reais, a inclusão dela no programa PROTEGE, que cuida de
testemunhas ameaçadas, oferecendo moradia, segurança pessoal, alimentação e um
dinheiro mensal.
Fermino
e o investigador Marcelo Cassanta, que assinou o relatório de Fermino enviado
para a Justiça, foram afastados em fevereiro de 2018 e o caso foi parar na
Corregedoria de Polícia. Ambos acusados de falsidade ideológica e corrupção de
testemunhas.
Paulo
Lehmen, que Fermino sempre se referia como Profeta, foi preso.
No
mesmo mês de fevereiro, todos os acusados presos, foram libertados.
A
Corregedoria fez uma varredura nos celulares dos acusados e encontrou mensagens
entre Fermino e Paulo, uma delas dizia abre aspas “mais uma missão cumprida...
a testemunha vai se apresentar”.
Tambem
descobriam que um pastor, que Fermino tinha como um guia espiritual, enviou uma
mensagem, em um dos dias que ele tinha voltado ao local para novas escavações
dizendo “não sei onde voce esta, mas cave mais para a esquerda.” O pastor não
foi acusado de participação na fraude.
Outra
descoberta da Corregedoria e que, segundo ela, seria a motivação de Paulo para
a denuncia era que ele foi contratado pelos dois empresários para fazer a
limpeza de um terreno deles que seria loteado. Paulo cobrou R$ 20 mil pelo
serviço, recebeu, mas começou a enrolar para fazer o trabalho então Jair ficou
cobrando o serviço ou o dinheiro de volta. Vendo no caso das crianças uma
oportunidade de se livrar da cobrança e do serviço, ficando com o dinheiro,
acusou os dois.
Já
Fermino teria sido motivado por vaidade, por se ver em um caso de repercussão e
tambem para ter uma ascensão religiosa dentro da sua igreja, sendo responsavel
por prender adoradores de Satanás.
O
investigador entrou na justiça e foi reintegrado.
Os
indiciamentos ficaram por 2 anos na Corregedoria sem serem encaminhados para o
Conselho Superior de Polícia para abertura de processo administrativo e
avaliação de possivel condenação criminal.
Por ser
funcionário público, os dois policiais civis, só poderiam ser desligados pelo
governador do Estado.
Fermino,
acabou pedindo aposentadoria por tempo de contribuição.
Paulo
Lehem foi condenado a 4 anos e 12 dias em regime semiaberto, tambem por
falsificação ideológica e corrupção de testemunhas.
Paulo, o profeta, foi encontrado morto com uma
facada no pescoço em 2020. O crime ainda está sendo investigado até a data
desse episódio.
Em 2020
tambem, Moacir Fermino foi condenado a 6 anos, 2 meses e 17 dias a ser cumprido
em regime semiaberto, por falsidade ideológica e corrupção ativa de
testemunhas. Como ele ainda podia recorrer da condenação em 2ª instancia, em
liberdade, não foi preso.
O caso
das crianças esquartejadas continua até hoje sem solução. Há um novo delegado
liderando o caso, Cassiano Cabral, que acredita que elas sejam de outro país.
Os dois
corpos foram juntos, sepultadas em uma gaveta, escrito Ignorado, com dois números,
no Cemitério de Novo Hamburgo.
Silvio
colaborou com um livro, chamado Operação Revelação: Caso Bruxo, que conta a história
dele e do caso.
Durante
as pesquisas, eu li diversos comentários de pessoas que mesmo após a confissão
das testemunhas, mesmo após a polícia descartar qualquer possibilidade de
ritual ser a forma de assassinato das crianças, defendendo o delegado Fermino e
a crença dele de que Satanás estava por trás de tudo.
O
sacrifício de crianças e de pessoas atualmente é abominável, mas nem sempre foi
assim. A História está aí para nos comprovar isso.
E nem
sempre ela foi relacionada a Lúcifer. Quem não lembra quando Deus pede a Abraão
seu único filho em sacrifício? Não era algo tão comum, mas diversas religiões
antigas, pré cristas, adotavam rituais de sacrifício. Inclusive, povos
mesoamericanos, como os toltecas e os maias. Em alguns casos, a vítima era
imolada ao deus ainda viva e nesses casos, ela se oferecia em sacrifício, para
que o Deus se acalmasse, ou para que ele concedesse fartura, vitória em alguma
batalha contra um povo inimigo.
Não
posso afirmar que não haja por aí algum maluco que mate alguem acreditando ser
da vontade de Deus, até porque existem diversos casos de esquizofrênicos que
sem tratamento, cometem crimes acreditando veementemente que é a pedido de
deus. E nem posso dizer que não há casos de quem mate em nome de Satanás.
Mas não
há nada que comprove que uma religião seja ela adoradora do queira, sacrifique
seres humanos.
Difundir
isso, somente porque a sua crença pessoal prega isso, é colaborar com a
injustiça e com a intolerância religiosa, o que é crime.
Sem
contar de que, se há algo que não combina com investigação policial, que
precisa ser técnica, é religião.
Dito
isso, eu me pergunto: quando a primeira suposta testemunha, que viu todo o
ritual se apresentou, por que não foi feito um retrato falado das crianças que
ela disse ter visto? Alguem considerou que as crianças podiam ser filhos de
alguma mulher em situação de rua? Foi feito comparação do DNA delas, com casos
de mulheres assassinadas, mas que não tinham solução? Existem um banco para
esse tipo de dados?
No fim,
tudo que aconteceu, só fez com que o tempo passasse e vestígios ou algo
relacionado ao caso de fato, não tivesse a atenção necessária. E duas crianças
inocentes, foram mortas, esquartejadas, seus pedaços deixados em meio ao lixo e
não foi feita justiça em nome delas.
Fontes de Pesquisa
Engster, M.
J. (2019). Monografia. Crianças Esquartejadas em Novo Hamburgo: Um estudo
de caso na cobertura do Jornal NH. Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil:
UNIJUÍ.
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