T02 Ep13 O caso do crime do triplex

 

O caso





           Cleonice de Fátima Rosa, filha de Francisco Rosa e Sebastiana Lucia Rassoni Rosa, nasceu em Rancho Verde, uma pequena cidade do Paraná.


            O pai era um lavrador e a mãe, dona de casa. Até os 15 anos, Cleonice ajudou o pai no plantio e colheita da lavoura de algodão da família.


            Aos 15, ela foi para Londrina, trabalhar na casa de Lucida Del Ciel, esposa do, na época, prefeito da cidade, José Antônio Del Ciel, trabalhar arrumando a casa.


José Antonio Del Ciel



            Em 1992, aos 24 anos, Cleonice vai trabalhar para a irmã de Lucinda, Vanda de Souza Pepiliasco.






            Vanda Pepiliasco nascida no dia 11 de julho de 1953, filha de Cacilda Pinto e Jose de Souza Pinto Filho, de Londrina, artista plástica e casada desde os anos 70, como Lauro Pepiliasco, um engenheiro civil, ex presidente do Instituto de Desenvolvimento de Londrina e um empresário de sucesso. Juntos, tiveram dois filhos: Leopoldo, de 16 anos e Leonardo, de 14 anos.


            O casal morava no  Edifício Maison de Savigny, na Rua Goiás, numero 1623, no apartamento 1.102, um triplex, com dois andares habitados e uma cobertura. Considerado um prédio de alto padrão.

            Com o casal e os dois filhos, tambem moravam duas funcionárias: Luzia Colombo e Cleonice.





            O triplex dos Pepiliasco, ocupava o 11º andar. O 1º e o 2º andar juntos, somavam mais de 300 m².  No 1º andar, era habitado pela família. No 2º, tanto Cleonice quanto Luzia, dormiam em um quarto com uma beliche e poucos moveis, isolado, com acesso direto pelo elevador de serviço do prédio. Do lado de fora das partes onde a família circulava.

            Cleonice trabalhava como faxineira e camareira. Luzia, de 18 anos, tambem vinda de uma pequena cidade do interior, trabalhava como cozinheira.

            Vanda Pepiliasco era pessoa constante na vida social de Londrina. Com trabalhos expostos no 2º Prêmio Pirelli Pintura Jovem, 44º Salão Paranaense e na 8º Mostra de Desenho Brasileiro. Diversas personalidades e pessoas influentes, compravam seus quadros. Estava sempre nas colunas sociais, em festas, coquetéis.


            No dia 10 de julho de 1993, Véspera do seu aniversário de 40 anos, Leonardo, o filho caçula dos Pepiliasco, tinha ido a uma boate.


            Na casa estavam as duas funcionárias e o casal.


            Leopoldo, o filho mais velho, estava de férias escolares e tinha viajado para o interior de São Paulo, ficar na casa de alguns parentes.






            Na manha do dia 11, as 7 da manha, o corpo de Cleonice é encontrado por Luzia, ensanguentado na escadaria interna do apartamento, que dava acesso do quarto das funcionárias ao apartamento.


            A policia é chamada por Vanda Pepiliasco, dizendo que uma das suas funcionárias havia cometido suicídio.



            A policia chega no local do crime e aciona a delegacia, sinalizando ser um local de suicídio. A delegacia estava no momento, sem delegado de plantão no momento do chamado, o Doutor Algacir Antônio Ramos, mas a pericia foi enviada e ao analisar o local do crime, imediatamente, o perito Ademar,  rechaça a ideia de suicídio.


            Cleonice havia sido morta com uma facada no pescoço que quase a degolou. O sangue escorreu por alguns degraus da escada e até no teto, havia sangue. O instrumento usado estava no local: uma faca, tipo peixeira. Nas mãos dela, estavam fios de cabelo grudados. O perito indicou ainda no local do crime, que a hora da morte, devia ser entre meia noite e meia e uma da manha.


            O corpo de Cleonice foi levado para o IML, mas não foi sozinho, por alguma razão, a faca, não foi coletada pela pericia e acabou indo embaixo do corpo.





            O inquérito foi aberto pelo delegado Nelson Max Humming.

            Por ter sido a primeira a encontrar o corpo, Luzia foi a primeira suspeita da policia.


            Segundo Luzia, a ultima vez que ela viu Cleonice foi por volta das 23 horas do dia anterior. Elas estavam no quarto, Cleonice contou que estava tendo problemas com o namorado, que insistia pra que ela fizesse um aborto. Durante a conversa, como era tarde, ela acabou pegando no sono. A ultima imagem que ela tinha de Cleonice, era ela olhando pela janela do quarto.





            De manha cedo, levantou, viu que Cleonice não estava, achou que ela estava na cozinha e saiu. Foi quando no caminho, encontrou o corpo e foi avisar aos chefes.


            Na segunda feira, o chefe da equipe decide voltar ao prédio da Rua Goiás e novamente procurar por vestígios. E encontraram, como diversos pingos recentes de vela, que a pericia imaginou que poderiam ser do momento do crime, já que estavam recentes e não tinha marca de que alguem tivesse pisado na area. Talvez, o assassino tivesse pego Cleonice de surpresa no escuro e usado a vela para enxergar as escadas.


            Uma reprodução simulada é marcada e durante a reprodução, Luzia confessa o assassinato de Cleonice.

            A motivação seria a recusa de Cleonice em se batizar. As duas estavam frequentando uma igreja do Santos dos Últimos Dias, há uns 80 metros do apartamento e elas tinham combinado de se batizarem no domingo. Mas na sexta, Cleonice disse que não iria porque a mãe dela não tinha achado uma boa ideia.





            Elas então começaram a brigar e quando Cleonice saiu em direção ao quarto, ela foi atras e a atacou com a faca. Foi para o quarto, deitou, esperou e de manha, avisou sobre a morte.


            Mas a confissão durou pouco. Alguns dias depois, Luzia volta atras sob a alegação de que foi torturada por 3 policiais, Almir Batista de Oliveira, Bento Alves Sampaio e Joceir Alves Almeida. Os 3 foram temporariamente afastados.


            Os 3, pegaram ela na casa de uma tia, aonde ela estava, a jogaram dentro de um carro e a encapuzaram. Levaram para a beira de um rio, obrigando a a tirar a roupa e a colocando varias vezes dentro da agua, ameaçando de afoga-la, caso ela não confessasse   

            Ela tinha muitos hematomas e a policia, a solta dois dias depois da prisão.





            A necropsia de Cleonice aponta dois ferimentos no pescoço, um mais superficial e outro que quase seccionou toda a traqueia.

            Tambem foi encontrado lesões que pareciam ser de defesa, marcas de agressão no abdômen e, foi coletado liquido seminal. Cleonice tinha sido maltratada, torturada, agredida e morrido por esgorjamento.

            Muito se fala sobre ela ter sido degolada, mas o termo correto é esgorjamento. A degola é o ferimento na parte de trás do pescoço, por um instrumento ou cortante ou cortocontundente. No esgorjamento, esse ferimento acontece na parte da frente do pescoço.

            Um vizinho é ouvido, Reginaldo Chaves, que disse ter ficado na cozinha do seu apartamento até 1 da manha e não ouvi absolutamente nada de anormal ou diferente.

            Amigas de Cleonice e o namorado dela tambem foram ouvidos sobre a vida de Cleonice e sobre o aborto que ela teria feito.


            A policia se volta ao Leonardo, de 14 anos.


            No primeiro depoimento dado a policia, os pais não dizem que ele estava em casa, nem citam que o horário que ele tinha chegado. Omitindo essa informação.


            Na segunda pericia, com as fotos do crime, o horário provável da morte, passa a ser entre 2 e 3 da manha, o que batia com o horário que Leonardo tinha chegado em casa.


            Com a investigação acontecendo, os Pepiliasco viajaram. Ao retornarem, 1 semana depois, Leonardo passou por um exame corporal e foi encontrado escoriações no antebraço direito, nas 2 mãos, hematomas nos joelhos e um corte no dedo indicador esquerdo, mas como o exame foi feito somente 8 dias depois do crime e a família viajou, a justificativa dos ferimentos, era de que, ele esteve no sitio da avó, em São Jeronimo da Serra e lá, se lesionou.


            O depoimento de Vanda era de que no dia 11 de julho, ela estava dormindo com o marido na sua suíte, quando Lauro a acordou. Luzia entrou correndo em seu quarto dizendo que Cleonice tinha feito uma besteira, tinha se matado. Ela foi no local, viu uma parte do corpo, a de cima, e voltou-se para o marido perguntando o que eles iriam fazer. Depois ela ligou para a policia.

            A faca encontrada tinha sido presente e ficava na churrasqueira. Ela não sabia exatamente aonde as coisas de cozinha ficavam porque ela não cozinhava e nem lavava louça e ia pouco na area da cozinha.


            Os vestígios de cabelo encontrados nas mãos de Cleonice possuíam bulbos, então era possivel fazer um exame de DNA.


            Mas estamos nos anos 90. Exames de DNA não eram nem comuns, nem usuais no trabalho policial e muito menos eram baratos.

 

            O único instituto no Brasil que fazia exames de DNA, mas não voltado para investigação forense , mas para exames de paternidade, era o Instituto Gene, do Doutor Sergio Danilo Pena, de Belo Horizonte, que, se você, assim como eu, já maratonou o Projeto Humanos, esta com a sensação de já ter ouvido esse nome. E voce ouviu. Foi nesse instituto onde foi feito em 93, o exame de DNA do corpo encontrado em Guaratuba e positivou como sendo de Evandro Caetano. E foi ele tambem o mesmo do caso Leandro Bossi.

            O exame custava cerca de USD 6.000 e o departamento de policia de Londrina não tinha orçamento para pagar pelo exame.


            Foi recolhido cabelos de Vanda, Lauro e Leonardo, colhidos pela própria Vanda e entregues para o exame, enquanto era aguardado que o governo estadual, enviasse verba para o pagamento da comparação.

            Antes, foi feito, por modo comparativo, um exame com o cabelo de Luzia, que conclui ser negativo.


            Depois da verba aprovada, as peças de comprovação e os indícios, foram enviados para Belo Horizonte.

            Em janeiro de 1994 o laudo ficou pronto parcialmente indicando que das amostras enviadas, só o de Vanda apresentou semelhança. Os fios de cabelo nas mãos de Cleonice, segundo laudo, eram de Vanda.

            Como o laudo em mãos, a policia pede a prisão preventiva de Vanda, mas para a surpresada policia, Vanda não estava mais em Londrina. O que se apurou é de que ela provavelmente estaria no litoral catarinense, em São Francisco do Sul.


            A defesa da Vanda entrou com recurso contra a prisão e a contestação do resultado do exame.






            De acordo com a defesa, o exame foi feito por 1 perito quando seria necessário 2 e o medico que realizou, não se comprometeu com a justiça formalmente, mas, vamos lembrar, que ainda era tudo muito primitivo mesmo na area do DNA forense em 1993, era uma novidade ainda. Não se usava DNA para descobrir assassinos, mas para paternidade, então era nebuloso a forma de usar e como usar, além de não haver regras especificas, para algo que começava a ser usado para outros propósitos.

            A policia, sob o delegado Zuba, investigou denuncias feitas contra Antônio Camata e Fernando Milani, de que ambos, teriam adulterado a prova dos cabelos que foram colhidos para exame de DNA.

            Maria Stela Loures de Souza e Luís Antônio Alvarenga, que trabalhavam no IML, foram os denunciantes.

            Segundo eles, Camata, que era o diretor do IML de Londrina, teria levado para casa o envelope contendo as amostras de cabelo.


            O Fernando Milani confirmou em depoimento que as provas foram entregues em Curitiba lacrados. O lacre continha as assinaturas tanto de Maria Stela quanto de Luis, o que comprovaria a inviolabilidade.


            Em sua defesa, Camata disse que levou as provas pois Maria Stela estava sendo investigada sobre seu comportamento no caso, e sobre sua posição favorável a Vanda e portanto, para que a prova não fosse violada, achou melhor manter com ele e no dia seguinte, ir pessoalmente fazer a entrega.

            E, por melhor que fosse a intenção, e tambem que em 1993, não existia ainda a noção de cadeia de custodia, ate porque, ela se tornou algo importante, depois do caso do OJ Simpson e aqui no Brasil com ao Pacote Anticrime de 2019, mas isso de levar provas pra casa, é erradíssimo. Foi isso inclusive que acabou de certa maneira, fora a historia de colocar a luva, inocentando o O J, mesmo que tudo provasse que ele era culpado.


            Foram 4 recursos em relação a essa prova.


            Das 4 apelações, duas, os juízes foram favoráveis a defesa e retiraram a prova, tornando ela inadmissível no julgamento. Os promotores Solange Novaes Vicentim e Celso Ribas, apelaram da decisão.


            Por fim, o promotor Janderson Yassaka, conseguiu legitimar o laudo. Já era 1997.


            E, durante anos, e anos e anos, inúmeros e incalculáveis recursos foram impetrados pela defesa da Vanda.


             O ministério publico tinha certeza da culpa dela. E do Leonardo. A tese da acusação é de que ele, teria segurado Cleonice enquanto a mãe a esfaqueava.

            Ele foi acusado na Vara da Infância, mas a acusação acabou prescrevendo quando ele fez 21 anos.

            Vinte e dois anos depois, em maio de 2015, finalmente, o caso que já era considerado o mais longo de Londrina, foi ao tribunal do júri.

            O julgamento tinha sido marcado para março de 2015, mas desmarcado porque testemunhas da defesa, no caso o marido da Vanda e o perito do IML, O Fernando Milani, não compareceram.

            O promotor Ronaldo Costa Braga acusava Vanda de homicídio duplamente qualificado, motivo torpe e sem chance de defesa da vitima. A assistente de acusação, foi Gabriela Silva.


            A juíza do caso foi Elizabete Karhter.


            O advogado de defesa, Valter Bittar liderando um grupo de 4 advogados.

            As testemunhas de acusação eram Antônio Carlos Campos Junior, um policial que atendeu o local, Ademar Gonçalves, o primeiro perito e Francisco José dos Santos, o porteiro do prédio.


            As testemunhas de defesa eram Julio Salinet, advogado amigo da família, Lauro Pepiliasco e o perito Fernando Milani.

            O conselho de sentença era formado por 6 mulheres e 1 homem.


            O julgamento durou 12 horas com a presença não da família de Cleonice mas a de Luzia tambem. A mãe dela disse em entrevista que queria saber quem havia cometido o crime pelo qual a filha dela tinha sido injustamente acusada e que tinha destruído a vida dela.


Luis Rosa, irmao de Cleonice



            Depois do caso, Luzia não conseguiu mais trabalho. Ela entrou com o um processo contra o Estado do Paraná e foi indenizada por cárcere privado e tortura, ganhando um valor de cerca de R$ 300 mil.





            Francisco, no julgamento, relata que Leonardo quando chegou subiu pelo elevador de serviço e que depois, Vanda pediu que ele contasse a policia que ele subiu pelo elevador social.


            Vanda foi condenada pela maioria do júri por homicídio simples. A juíza deu a ela 8 anos e 6 meses de condenação em regime fechado mas podendo recorrer em liberdade. E pela porta da frente, Vanda saiu.



            Mesmo depois de 22 anos, as famílias das vitimas, precisaram ver a antes acusada e agora condenada, sair mais livres do que eles.


            Tanto a defesa quanto a acusação não ficaram felizes com a conclusão do julgamento. A defesa queria a anulação do júri. A promotoria uma pena maior.

            Ambos recorreram do caso que era agora conhecido como o Crime da Rua Goiás.

            Em 2016 o Tribunal de Justiça do Paraná reduziu a pena para 8 anos e 4 meses.


            Uma decisão do STJ, ordenou que a Justiça do Paraná, prendesse novamente Vanda Pepiliasco em 2016. E no dia 1º de dezembro de 2016, ela foi presa na casa que a família tambem tinha, em Cuiabá, Mato Grosso.



            Porem se voce pensa que agora sim, ia acabar... Não não. Em 5 dias, a defesa dela conseguiu um habeas corpus e ela foi solta.






            Em outubro de 2020, finalmente o caso transito julgado, que é quando se tem mais como recorrer e ela teria que ser presa novamente e agora, em definitivo.


            Só que para ser presa era preciso ser encontrada e ela não foi.


            Algumas peças do trabalho dela fizeram parte de uma exposição ano passado, do Museu de Arte de Londrina, mas acho que eles acabaram se tocando e tanto o vídeo da exposição quanto qualquer menção ao nome dela, foi cortado.


            Ela esta com um novo advogado, Doutor Fausto, que reanalisou o processo e diz que vai atras da inocência de Vanda. Tem uma entrevista dele no podcast chamado banco dos réus, vale a pena conferir não a entrevista como todo o podcast, que fala de casos que aconteceram em Londrina.

            Sobre os resquícios de vela na cena do crime: no julgamento, a Vanda falou que dois dias depois do crime, que seria na segunda, aquela em que os peritos voltaram lá, ela mais cedo, tinha levado um diácono lá, Alcino Bueno, indicado pelo Padre da Catedral que a mãe dela frequentava , para abençoar o local e ele usou velas, que deixou pingos lá.


            Em 15 de julho de 2022, em Cuiabá, Lauro Pepiliasco, morreu de complicações de câncer.

 


 

Fontes de Pesquisa:

           

 Folha de Londrina


 Paiquere

G1


            Podcast Banco dos Réus


 Youtube


  Youtube


 Noticias de Londrina


 O Londrinense


 

 







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