T01 Ep06 O caso Cláudia Ferreira
O CASO
Cláudia Silva Ferreira, nascida na cidade do Rio de Janeiro em 1976 e assassinada no dia 16 de março de 2014.
Cláudia Silva Ferreira |
Conhecida como Cacau, mãe de 4
filhos, Thais, os gêmeos Pamela e Pablo e o mais novo. Tambem cuidava de 4
sobrinhos entre as idades de 5 a 18 anos. Casada com Alexandre Fernandes da
Silva, inclusive, comemorariam 20 anos de casados 6 meses depois da morte de
Claudia. Moradora do Morro do Congonha, um dos inúmeros morros que ficam no
bairro de Madureira, na zona norte do Rio, muito famoso pelo seu Mercadão, por
ser o bairro das escolas de samba Império Serrano e Portela, além do super
conhecido baile do viaduto Negrão de Lima. Cláudia trabalhava como auxiliar de serviços
gerais ganhando R$ 800 no Hospital Marcilio Dias, um hospital da marinha, que
fica no bairro do Lins.
Alexande, os 4 filhos e os 4 sobrinhos que Claudia cuidava |
De
acordo com o marido, no dia 16 de março, Claudia saiu de casa para comprar pão
e foi baleada.
No
momento, estava acontecendo uma incursão militar da PM, mais uma das diárias,
que o carioca suporta, principalmente as milhares de pessoas, moradoras de
comunidade, e os policiais trocavam tiros com traficantes do morro.
Depois
de baleada, Cláudia foi socorrida por PMs e colocada no porta-malas de um camburão
por 3 policiais. Em depoimento, os policiais afirmaram que a intenção era levar
Cláudia para o Hospital Carlos Chagas em Marechal Hermes, há uns 6 km e meio de
distância.
Enterro de Cláudia |
No
trajeto, Cláudia caiu do porta-malas, ficando pendurada por uma peça de roupa e
é arrastada pela Estrada Intendente Magalhães, no Campinho, por 350 metros.
Assim que Cláudia caiu, várias testemunhas alegam que tentaram avisar aos PMs
que ela estava caída e que mesmo com os alertas, eles não paravam a viatura. Um
cinegrafista amador, que estava atrás da viatura, começou a gravar o que estava
acontecendo e enviou para a imprensa depois.
Trecho de um video de segurança |
Cláudia sendo arrastada pela Estrada Intendente Magalhães |
O laudo pericial constatou morte por laceração cardíaca e pulmonar de ferimento transfixante do tórax por ação perfuro-contundente, o que significa que ela foi baleada com um tiro no coração e outro no tórax, no pulmão. Parte do corpo de Cláudia ficou dilacerado devido ao arrastamento. O Instituto de Criminalística Carlos Éboli, o órgão da polícia civil responsavel pelas perícias forenses no Rio, não conseguiu determinar o calibre da arma que disparou os tiros que mataram Cláudia. A trava do porta-malas do camburão que levou Cláudia tambem foi periciado e não foi encontrado defeito algum.
Os
policiais dizem que, ao socorrer Cláudia, ela estava viva ainda, no entanto, a
Secretaria Estadual de Saúde informou que ela chegou já morta no Hospital
Carlos Chagas.
PMs colocando o corpo de Cláudia novamente no porta malas |
Os
policiais que participaram da ação foi: o primeiro tenente Rodrigo Medeiros
Boaventura, que comandava a patrulha, sargento Zaqueu de Jesus Pereira Bruno,
os Sub tenentes Adir Serrano e Rodney
Archanjo ,o Sargento Alex Sandro da
Silva e o Cabo Gustavo Ribeiro Meireles, todos lotados no 9º batalhão da PM, em
Honório Gurgel , vale a pena comentar que o 9º batalhão é um dos mais polêmicos
aqui do Rio. Ele cobre uma região da zona norte extremamente perigosa e com
dezenas de milhares de ocorrências por ano. A area do 9º batalhão é uma das
mais violentas da capital. É uma região que mistura tráfico, corrupção, milicia
e morte.
Vários
casos de violência policial e morte decorrentes de operações cercam o batalhão,
como a Chacina de Vigário Geral, que matou 21 pessoas, a morte do menino Wesley
de 11 anos, que foi atingindo por uma bala enquanto assistia uma aula de
matemática em uma escola pública em Costa Barros, por exemplo.
Os
seis policiais foram indiciados por homicídio doloso e fraude processual em
maio de 2014. Em julho, voltaram a trabalhar e em outubro se livraram da
Justiça Comum.
Os
subtenentes Adir tinham na época 13 anotações de autoria de homicídio e Rodney
em 3 autorias de homicídios, além de terem envolvimento em vários casos, que no
total, resultaram em 69 mortes em autos resistência após supostos tiroteios.
Os
autos de resistência ou resistência seguida de morte são mortes que ocorrem quando
o suspeito reage a prisão. O código de processo penal diz que auto de
resistência é a ação de agentes do Estado que cometem homicídios alegando
legitima defesa ou a de terceiros, em decorrência da prisão. O acusado, resiste
a prisão em flagrante e por colocar a vida do policial ou de civis em perigo,
ele é morto. Em 2012, foi colocado em votação na câmara dos deputados federal,
o projeto de lei 4.471/2012. O projeto trata sobre a instauração de inquérito, perícia,
exame de corpo de delito, necropsia, nos casos em que a força policial resultar
em morte ou lesão corporal. Justamente pensando na diminuição das mortes com a
justificativa de auto de resistência, que cresce vertiginosamente todos os
anos.
Um
pouco menos de 1 mês após o crime, no dia 03 de abril, a Polícia Civil fez a
reprodução simulada no Morro do Congonha para saber de onde partiu os tiros que
mataram Cláudia, se dos policiais ou dos traficantes. Foram intimados a
participar, 8 policiais que estavam no momento da operação, testemunhas da
família, Alexandre Fernandes da Silva, viúvo de Cláudia, Thais, filha mais
velha e Ronald Felipe dos Santos, 18 anos, que foi preso no dia da operação no
Morro.
Reprodução Simulada |
Local onde Cláudia foi assassinada |
O
delegado responsavel pelo caso, Carlos Henrique Machado, da 29ª Delegacia de Polícia,
pretendia com a reprodução, rebater as 3 versões dadas nos depoimentos: a dos
policiais, a da família e de Ronald. Das testemunhas chamadas pela família, 1
não compareceu e outra não quis ir.
Reprodução Simulada |
Uma
moradora relatou que ao entrarem no morro, os policiais mandaram todo mundo
voltarem e entrarem em casa. Zaqueu e Rodrigo, disseram que, não viram Cláudia
virando a esquina do local onde ela foi baleada devido ao mato alto, mas antes
da reprodução simulada, vizinhos capinaram o mato, alterando o local.
Na
escada perto, foi encontrada capsulas de bala, um relógio e uma mochila, o que
seria, segundo o delegado, indícios da presença de seguranças do tráfico.
Na
versão dos policiais e de Ronald, o houve um confronto no local entre os
policiais e os traficantes e que tudo foi um acidente. Claudia foi posta no porta-malas,
porque, na parte de trás da viatura, estava cheia de armas, então acharam
melhor colocá-la no porta malas. Ronald
Felipe dos Santos, testemunhou que viu o momento que Cláudia foi atingida, que
tinha participação no tráfico e que tentou matar os PMs. Ele, que estava preso
preventivamente, desde o dia da operação, teve o pedido revogado para prisão
temporária por 30 dias.
Thais,
filha mais velha de Cláudia e Alexandre, de 18 anos na época, afirmou durante a
reprodução que alguem bateu na porta da sua casa para contar que Cláudia tinha
sido baleada e que tinha uma pessoa amparando a mãe quando ela chegou.
Alexandre, viúvo de Cláudia, chegando na Reprodução Simulada |
O
delegado comentou que os policiais viram os traficantes subindo as escadas e
atiraram enquanto Claudia passava na hora, mas que os policiais, tinham o campo
de visão encoberto devido ao matagal.
Como
os vizinhos confirmaram que capinaram, eu acho que não daria pra ter certeza do
tamanho do mato e de que se realmente não daria pra ver. E, como ali era uma
esquina, uma curva fechada, a foto do local tá lá no insta gente, deixei todas
as fotos do caso postadas lá, dá pra se ter uma noção de como era a rua.
Os
policiais usavam na operação fuzis 762, que é um fuzil de assalto e que
provavelmente os traficantes, pistolas 9mm. Como eu disse, o laudo não
conseguiu determinar qual era o calibre da arma que matou Cláudia, já que ambas
as armas fazem ferimentos de entrada e saída iguais, mas a defesa dos policiais
esperava que, na reprodução, a trajetória do disparo, elucidasse e confirmasse
que os tiros não foram dados por eles.
A
princípio, logo após o crime, 3 policiais foram detidos: Adir, Rodney e Alex
Sandro. Eles foram presos no dia 17, na cadeia Pública Pedrolino Werling de
Oliveira, no complexo Penitenciário de Gericinó Bangu 8, mas foram soltos no
dia 21, passando a trabalhar administrativamente no batalhão.
A
morte de Cláudia gerou uma onda de protestas imensa não só no Brasil, mas fora
tambem. Foi iniciada uma Campanha chamada “100 vezes Cláudia” com a
participação de diversos órgãos dos direitos humanos, personalidades e
políticos, pedindo apuração e justiça no caso de uma mulher preta, pobre e
moradora de comunidade, vítima da violência.
"100 vezes Cláudia" |
Houve
vários protestos em frente a 29ª delegacia em Madureira pedindo o
esclarecimento do que aconteceu com Cláudia.
O
advogado da família, João Tancredo, entrou com uma ação na justiça pedindo uma
liminar pedindo indenização, pensão, tratamento médico, danos morais, pagamento
de funeral e sepultamento ao Governo do Estado do Rio. O valor pedido de
indenização divulgado teria sido de R$ 724 mil.
O
juiz do caso, Abrahão Dias Ferreira, condenou o Governo a pagar uma indenização
por danos morais e materiais. O valor não foi divulgado nem a data que ele
seria pago.
O
defensor geral que representou a família no judiciário, em entrevista, disse
que os valores foram dentro do teto praticado pelos tribunais e que foi um
valor razoável.
O
acordo judiciário tambem determinou o pagamento de pensão ao viúvo e aos 4
filhos. O viúvo receberá pensão até agosto de 2040, quando completa 65 anos e
os filhos até os 21 anos, da seguinte maneira: quando o mais velho, completar
21 anos, o valor que ele recebe passa para o 2 º filho mais velho, que acumula
o dele e o do irmão mais velho; quando o 2º filho mais velho completar 21 anos,
o que ele recebe, passa para o 3º mais velho acumulando com o valor que ele
recebe; quando o 3º mais velho, fizer 21 anos, o valor da pensão dele passa
para o 4º filho, que recebe o acumulado dos 3 irmãos e o valor estipulado até
os 21 anos.
A
1ª audiência do caso, dos acusados de homicídio o na época tenente Rodrigo e o
Sargento Zaqueu, e Adir, Rodney, Alex Sandro e Gustavo que respondiam por
fraude processual, por terem sido os 3 que retiraram Cláudia do local do crime,
só aconteceu em março de 2019, porem o juiz decidiu marcar uma 2ª audiência
para março de 2020, 1 ano depois, para nessa segunda audiência, emitir decisão
sobre manter a qualificação do crime e se ele teria júri popular.
Durante todo esse periodo, 2 dos PMs se aposentaram, Adir e Rodney e os outros 4 continuaram trabalhando normalmente. Rodrigo Boaventura foi promovido a capitão e é lotado no 41º batalhão, que tambem tem a fama de ser violento e corrupto, quase disputando com o 9º qual o pior. Zaqueu e Gustavo foram transferidos para o 7º
batalhão, em São Gonçalo, cidade vizinha a Niterói,
do outro lado da ponte e Alex Sandro continuou lotado no 9º batalhão.
A ano passado, a PM não tinha aberto
nem processo administrativo contra os policiais. O caso continua sem ter sido
julgado. A segunda audiência acabou sendo cancelada por causa da pandemia da
covid e não foi mais remarcada ou pelo menos, não encontrei essa informação
durante a pesquisa desse roteiro.
O agora capitão Rodrigo Boaventura
foi nomeado Superintendente de Combate aos Crimes Ambientais em 2020, mas a
Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade voltou atrás na nomeação.
Esse caso da Cláudia, infelizmente
não foi a primeira e nem foi a última morte, nas incursões que a PM ou o BOPE,
fazem dentro das comunidades cariocas. A guerra que acontece entre o tráfico e
a polícia, já causou inúmeras vítimas, como Agatha, Amarildo, João Pedro, Kaio
Guilherme, Fabricio e tantos outros, que todos os dias, saem de casa para
trabalhar ou estudar e não sabem se voltam vivos pra casa ou se, dentro de
casa, estao seguros.
O Instituto Fogo Cruzado
contabilizou um aumento de 15% da violência em ações e operações policiais ano
passado comparado a 2020, mesmo em um ano de pandemia. O número de pessoas
mortas em tiroteios aumentou em 21%. Agentes de segurança tambem morreram mais:
52% de mortos e 13% a mais de feridos em relação a 2020.
Aqui no Rio, a violência é assunto
que em qualquer lugar levanta uma discussão acalorada. Muitos defendem a PM, e
eu mesma, tenho amigos policiais. E em vários pontos quem defende a corporação,
tem razão. A PM do Rio é uma instituição sucateada, abandonada pelo Poder Público,
com profissionais mal pagos, mal vistos, mal equipados, com viaturas quebradas,
depenadas, armas antigas, treinamento defasado, desrespeitados e que vivem em uma cidade tão
perigosa quanto cidades do Oriente Médio como a Palestina ou o Afeganistão, que
saem de casa com a certeza da morte e que sabem que só por serem policiais,
vivem com a sua sentença decretada, sem a liberdade de andar em qualquer lugar,
de estar em qualquer lugar e de viver com medo, precisando trabalhar dentro da
lei contra criminosos que estão muito acima dela, Inseridos dentro de um sistema que não foi
feito para defende-los, mas pra defender o próprio sistema. Exatamente como no
filme Tropa de Elite. E prova disso foram os áudios vazados ano passado do ex
secretario da SEAP (Secretaria de Administração Penitenciaria), negociando com
Marcinho VP e o Claudinho da Mineira, chefes do tráfico carioca ou então,
atualmente com vários ex-governadores do Estado estarem presos, como o Sergio
Cabral e o Pezão.
Por outro lado, a impunidade em casos
de violência policial e a brutalidade das operações, só aumenta a sensação dos
cariocas e até de quem mesmo nunca esteve no Rio, tem de que aqui, é terra sem
lei, porque é. Aqui, mortes como a da Cláudia, não tem importância, são so
números e estatísticas. Percalços do caminho, quase como se, quem vivesse em
favelas, merecesse a morte, o descaso público, o desinteresse, a falta de
investimento em educação, em saneamento básico, em estrutura, ficando renegado
a ter sua casa invadida constantemente, ser ameaçada, criar seus filhos entre
uma troca de tiros e outra.
Até o
proximo episodio,
Beijuusss
Fontes:
Créditos do Video: Jornal Extra
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