T01 Ep02 Os casos Kliemann


  O CASO

 

Margit e Euclydes no dia do seu casamento


    Margit Irene Mallinder, natural de Santa Cruz do Sul, era filha de uma família proeminente e dona de banco, transportadora, fábricas, além da loja de eletrodomésticos, Casa Mallinder, a maior da região, que havia sido fundada pelo seu avô e era gerenciada pelo seu pai.

    Margit havia se formado em um curso técnico, o de guarda-livros, no Colégio Marista São Luís (guarda-livros era como o curso de Contabilidade era chamado até por volta dos anos 70). Durante o curso em meado dos anos 40, ela conheceu Euclydes.

    Euclydes Nicolau Kliemann nasceu no dia 15 de março de 1922 em Santa Cruz do Sul. Ele era filho de Francisca Josefa Etges e João Nicolau Kliemann, empresário do ramo de beneficiamento de fumo (beneficiamento de fumo é um processo industrial que o tabaco passa para separar a lâmina do talo).

    Euclydes se formou como guarda-livros e depois foi para Porto Alegre, estudar Economia na PUC-RS, já que em Santa Cruz do Sul, o máximo que se poderia chegar em termos de educação, era um curso técnico e ele queria se aprofundar nos estudos.

    Depois de se formar na PUC, Euclydes volta para Santa Cruz do Sul e se casa com Margit, no dia 20 de junho de 1944. Ele tinha 22 anos e ela, 20.

    Euclydes foi um dos fundadores do Sport Club Corinthians de Santa Cruz do Sul, assumiu a diretoria e promoveu a prática de basquete e vôlei.

    Ele assume a gerência da Casa Mallinder em sociedade com Orlando Bauhart, marido da irmã de Margit, Elinor.

    Margit e Euclydes tiveram 4 filhas: Silvia, Suzana, Virginia e Cristina.


Margit com Suzana (à esquerda), Cristina (no meio) e Virginia


    No Natal de 1951, Silvia, de 5 anos, ficou doente e foi diagnosticada com CRUPE, que é uma infecção da traqueia e da laringe que acaba bloqueando a respiração, acomete frequentemente crianças de 1 a 6 anos. Atualmente o tratamento pode ser em casa ou internada em hospital, mas não é fatal, porém nos anos 50, como não havia medicação infantil específica, a CRUPE era muito perigosa.

    O pediatra que atendia Silvia, decidiu, em acordo com Margit e Euclydes, administrar meia dose adulta do medicamento disponível, mas infelizmente, ela teve uma parada cardíaca e faleceu, no dia 28 de dezembro de 1951. Eles já tinham Suzana e Virginia e em 1953, tiveram Cristina.

Margit e Euclydes com Suzana em seu aniversário de 15 anos


    Kliemann decide seguir carreira política em 1955, Euclydes se candidatou e ganhou como vereador pelo PSD. Em 1958, se lança a deputado estadual ainda pelo PSD e é eleito como o 4º mais votado do partido no Estado e assume o cargo no dia 31/01/1959, mudando com toda a família para a Rua Barão de Santo Ângelo, 406, no bairro Moinhos de Vento em Porto Alegre.


Palacete da Rua Barão de Santo Angelo quando a familia Kliemann mudou-se para lá


    Kliemann além de opositor direto do governador da época, Leonel Brizola, era um político com discursos inflamados, direto e sem papas na língua. Foi eleito pelo partido como o 2º vice-presidente e líder da bancada na assembleia.

    Leonel Brizola tinha um programa na rádio Farroupilha, o Palestra do Brizola, que ele usava para falar sobre o que o seu governo estava fazendo pelo Rio Grande do Sul e tambem como plataforma política, já que na época, nos anos 60, não havia propaganda eleitoral, então era muito comum, se pagar por horários nas rádios para falar com os eleitores.

    Lembrando que na época, a campanha da legalidade a favor da sucessão de João Goulart (que era cunhado do Brizola) na presidência da República, após a renúncia de Jânio Quadros, tinha acabado de acontecer, então o cenário político no Rio Grande do Sul, estava muito inflamado. Como foi durante muitos anos. Quem já leu a coletânea do Erico Verissimo, O tempo e o Vento, sabe como a política esteve presente na história do Rio Grande como parte quase que prioritária na formação do Estado e da persona do gaúcho.

    Em um determinado dia, Leonel lançou a candidatura de Egídio Michaelsen do PTB para governador. Daí , um assessor do candidato opositor, Ildo Meneghetti, fez uma palestra, nomeou como Palestra do João (insinuando que seria um programa, uma palestra de alguem anônimo), como paródia do Programa do Brizola na rádio Farroupilha e um meio de responder ao Brizola tambem.

    O programa começou a receber diversas ameaças e como Euclydes era da oposição ao governador também, ele denunciou em plenário as ameaças que o Palestra do João estava recebendo. Inclusive deputados da situação, discutiram com Kliemann, alegando que já que o programa era de alguem desconhecido, como poderia alguem, que ninguém sabia quem era, ser ameaçado? Se não existia uma pessoa, tambem não existia ameaça.

    No dia 19 de junho de 1962, o jornal Correio do Povo revelou os nomes por trás do programa Palestra do João e Euclydes era um desses nomes, o que causou um baita climão.

    Como o dia seguinte a revelação, era o dia de aniversário de 18 anos de casamento de Margit e Euclydes e eles haviam combinado de almoçarem juntos e a noite, viajarem para Santa Cruz.

    Naquele dia, eles almoçaram no restaurante Adega Espanhola, que ficava perto do palacete onde eles moravam na Barão de Santo Ângelo, após o almoço, eles foram para a casa e a tarde, Euclydes foi para o Plenário, mas a sessão havia sido suspensa. Começou a chover torrencialmente, então Euclydes liga para casa para desmarcar a viagem da noite para o dia seguinte, Margit não atendeu, mas ele não fica preocupado porque imaginou que talvez ela estivesse se arrumando para ir à casa da sobrinha, que ela havia dito que iria.

    Já estava combinando há uns dias, jantarem na casa do irmão do Euclydes, João Lauro, que era empresário do ramo farmacêutico, então Euclydes, conforme combinado, passa na casa da sobrinha de Margit, Irma, as 18:30, mas Margit não estava lá. Ele então imagina que devido ao horário e a chuva, talvez ela tivesse ido direto a casa de Lauro. Como a casa deles era no caminho entre a casa de Irma e a casa de Lauro, Euclydes resolve passar lá só para conferir. Ele para na frente da casa que estava com todas as luzes apagadas, buzina, espera um pouco, mas ninguém sai. As filhas do casal tinham ido a um cinema de rua assistir um filme com a governanta, para deixar os dois sozinhos naquela noite.

    Chegando na casa do irmão, descobre que Margit não está lá. Seu irmão tinha ido a um bar perto, para assistir a um jogo de futebol e só sua cunhada estava em casa. Ele liga para casa de lá, mas ninguém atende.

    Então Euclydes vai até o bar onde está o irmão. Como estava chovendo muito, seu carro aquaplanou e bateu em um carro que estava parado em uma rua. Ele fica um tempo no lugar da batida resolvendo o problema da batida com o dono do carro atingido.

    Por volta das 20:30 ele finalmente chega no bar e dali ele e o irmão vão até a casa do Kliemann em carros diferentes.

    João Lauro chega antes, bate na porta, mas ninguém atende. Euclydes chega, abre a porta e encontra Margit no pé da escada caída com o rosto completamente desfigurado e seminua. De acordo com o depoimento de Euclydes, ao ver a esposa morta, começou a passar mal, abraçou a esposa, vomitou e teve uma grave crise de choro. Algumas pessoas disseram que ele limpou o local do crime e teria lavado tambem a roupa que ele usava no dia.

    A notícia da morte de Margit correu Porto Alegre e vários políticos apareceram na casa do casal, Brizola inclusive, foi até o local, prestar ajuda, chegando lá até mesmo antes da polícia (pra voce vê como que fofoca é rápida desde sempre), inclusive Margit ainda estava no chão, quando Brizola chegou e ele que cobriu as pernas dela com um lençol.

    Euclydes não ligou imediatamente para a polícia, mas sim para o deputado Ary da Silva Delgado do seu partido.

    De manhã, todos os jornais estampavam na capa o assassinato de Margit, principalmente no Última Hora e o Diário de Notícias, que fizeram uma cobertura jornalística do caso, exaustiva, difamatória e com matérias sensacionalistas e mentirosas.


Capa de jornal da epoca sobre o caso


    O delegado Júlio Moraes foi incumbido de investigar o caso e acreditava que Euclydes era o assassino.


Euclydes em depoimento a policia


    A autópsia de Margit foi malfeita. Ao invés de ser realizado um exame completo, o legista só devido à pressão e a pressa, examinou a cabeça dela, que tinha lesões feitos com algum objeto contundente, assim como também havia lesões nos braços e estava seminua, como se ela estivesse se arrumando quando o assassino chegou. Durante a investigação se levantou a possibilidade de ter sido com o atiçador de fogo da lareira.

    Não havia sinais de arrombamento. Na cena do crime, tinham 2 tipos sanguíneos distintos. Euclydes se voluntariou para doar sangue para comparação com o sangue que não era de Margit, mas o delegado Júlio não achou necessário. Ele tinha certeza de que o marido era culpado e tentava provar a teoria dele. E o álibi de Euclydes de na provável hora da morte estar com o irmão, para ele era muito fraco.

    Os investigadores, que acreditavam na inocência de Euclydes, foram afastados do caso.

    Nas minhas pesquisas, não encontrei qual teria sido a provável hora da morte indicada pelo legista, então não tem como saber se, ela foi morta depois do almoço, no fim da tarde, no início da noite, perto da hora que foi encontrada... Para mim, isso ficou muito confuso e, uma hora aproximada, ajudaria a excluir ou não, sem sombra de dúvidas o Kliemann.

    Os opositores políticos do deputado, acharam toda a história do crime e a cobertura extremamente maldosa dos jornais, uma arma política poderosa contra o Kliemann.


Euclydes sendo fotografado ao sair da delegacia


    Pois no dia 23 de junho de 1962, pela primeira vez, aparecia na capa do Diário de Notícias, na manchete “Dama de Vermelho foi vista saindo do local do crime”, a personagem Dama de Vermelho, incentivada pelo delegado Júlio Moraes. Ela teria 18 anos, estaria vestida com um lindo vestido vermelho e teria ido embora do local num táxi. Havia até um relato no jornal de que Margit teria lutado com uma mulher antes de ser morta.

    Um taxista apareceu, sabe-se lá de onde, confirmando que levou uma mulher da Rua Barão de Santo Ângelo até o centro da cidade naquele dia e que ela estaria vestindo vermelho. Foi o que precisava para a Dama de Vermelho se tornar obrigatória nos jornais, todos os dias.

    O motorista identificou uma mulher atraves de uma foto, que ninguém questionou de onde saiu e de quem seria.

    Ainda em junho de 62, o Diário de Notícias publica “Delegado Júlio Moraes avisa:"Já sei sua identidade, apresente-se’ [fecha aspas]”. Agora... se já sabia quem era, porque avisar atraves de um jornal não é mesmo?

    A polícia dizia ter 3 linhas investigativas: a do marido ser o culpado, uma mulher (dama de vermelho) ou um casal.

    Em 25 de agosto de 1962, uma ex-dançarina chamada Sandra Ribas, surge como a suposta Dama de Vermelho e é detida.


Sandra Ribas, apontada como A Dama de Vermelho


    No mesmo dia da prisão, ela consegue um habeas corpus e é solta, porém nos jornais começou matérias dizendo que Sandra teria um caso com Euclydes, o que obviamente, ambos negaram, já que não havia indício algum de que isso seria verdade já que eles nem se conheciam.

    A polícia convocou o taxista que alegava ter levado a Dama de Vermelho para uma acareação e ele afirmou que não a conhecia.

    Em 1963, Euclydes adquiri CR 50.000.000 (cinquenta milhões de cruzeiros) em apólices de seguro para pavimentar a ligação do bairro do Arroio Grande com o centro de Santa Cruz do Sul. Inclusive a avenida posteriormente recebe o nome de Deputado Euclydes Nicolau Kliemann.

    Euclydes reserva um espaço na rádio da cidade e convida os vereadores de Santa Cruz para um debate para discutir sobre a pavimentação, mas somente o vereador Floriano Peixoto Menezes, do partido PTB, conhecido como o Marechal, aceitou.

    Como somente o Marechal aceitou, Euclydes desiste do debate, e resolve usar o tempo que ele havia reservado para explicar o projeto para Arroio Grande. Floriano quando soube, reserva o espaço seguinte ao do Euclydes.

    Kliemann discursa por 1 hora, explica o projeto e ataca o PTB. Logo após terminar, Marechal começa a refutar tudo o que ele havia dito. Quando ele começa a citar a morte de Margit, Euclydes, que estava em outro estúdio e tinha acabado de ouvir que era Marechal falando, levanta-se e vai até onde ele estava ao vivo.


Euclydes na Rádio em Santa Cruz minutos antes de ser assassinado


    O marechal, que estava armado, atira a queima roupa em Euclydes, que morre na hora.

    Em março de 1965, 1 ano e meio após sua morte, a antiga Delegacia de Segurança Pessoal inocentou Euclydes.

    O julgamento do vereador Floriano Peixoto aconteceu no Ginásio do Corinthians Sport Club, aquele mesmo que o Euclydes fundou (ironia? Não sabemos) no dia 10 de junho de 1965 com 2 mil pessoas dentro do ginásio e mais de 1 mil na fila querendo entrar.

    O advogado de defesa do Floriano, foi o advogado e deputado do PTB na época, Pedro Simon, atualmente ex-senador.

    Foram 3 julgamentos no total. O primeiro do dia 10, foi adiado porque um dos jurados passou mal. O 2º julgamento ocorreu no dia 01º de julho de 1965.

    A tese da defesa era de que, Floriano não havia ido até a rádio pretendendo matar Euclydes e que o tiro foi de legitima defesa, porque ao entrar no estúdio, Floriano ficou com medo de Kliemann estar armado e tentar matá-lo, portanto ambos eram vítimas.  Pedro Simon colocou a gravação do ao vivo da radio e todo o ginásio ficou em silencio absoluto ouvindo as últimas palavras de Euclydes e o tiro que o matou.

    Floriano foi condenado a 1 ano e 6 meses por homicídio culposo. A defesa apelou da decisão, para diminuir a pena? Não! Para aumentar.

    O 3º julgamento aconteceu em dezembro de 1965 e nesse julgamento, Floriano foi condenado a 6 anos e 6 meses, mas, pasmem, ele só cumpriu uma parte da pena por ter bons antecedentes criminais. Ele ficou preso até o dia 14 de dezembro de 1966, então no fim, meio que não adiantou de nada pedir um novo julgamento. Floriano se mudou para Santa Catarina e morreu em 8 de abril de 2004.

    Pedro Simon posteriormente estudou o caso do assassinato de Margit e conclui que o Kliemann não havia matado a esposa, mas o culpado era o sobrinho dele.

    Luís Fernando, era filho de Julia Kliemann Kurth, irmã de Euclydes.

    Luís Fernando era problemático e toda família sabia. Ele se envolveu com gangue, começou a usar drogas, assaltar casas e tinha passagem pelo Juizado de Menores. Aparentemente, ele havia deixado uma calça com o que pareciam ser manchas de sangue numa lavanderia próxima a sua casa. Sabendo quem ele era, o dono da lavanderia ligou para a polícia. E pasmem (de novo): a lavanderia mesmo assim, lavou a calça.

    Por 2 dias, ele foi interrogado. O álibi dele era o cartão de ponto do local que ele trabalhava, mas o cartão só tinha marcado a hora da entrada, não a de saída, o que deixava uma dúvida plausível né? O advogado de Luís Fernando conseguiu um habeas corpus e ele foi liberado.

    O que poderia ter acontecido: o Luís foi até a casa dos Kliemann atras de dinheiro, alguns supõem que devido a problemas de saúde, a Margit usava morfina e talvez ele estivesse ido atrás disso. Como supostamente não haveria ninguém em casa, ele foi para assaltar a casa, só que Margit estava em casa se arrumando ainda para sair e ele acabou matando-a. Ele estaria com um comparsa e na casa desse possivel comparsa, encontraram uma toalha com sangue.

    A filha mais nova de Margit e Euclydes com 9 anos, questionou o pai na época do crime, se o Luís Fernando havia matado a mãe dela, mas o pai a mandou nunca mais falar sobre aquilo porque ele era da família.

    Em 1976, Luís Fernando assediou uma mulher da família e depois de um tempo, ele chegou a procurar Cristina e a sua irmã Suzana, depois de ficar com raiva de estar retratado pela mídia e pelas pessoas em geral como um usuário de drogas, ameaçou as duas dizendo ter matado a mãe delas e que agora mataria uma delas.

    Luís Fernando acabou vindo para o Rio e morreu num confronto com a polícia em 1981, com um tiro na cabeça.

    O Diário de Notícias fechou em 1969 e o Última Hora deu lugar ao Zero Hora em 1964.

    Suzana, filha mais velha, cursou Magistério na Fundação de Recursos Humanos. É viúva e mora em Porto Alegre.

    Virginia cursou letras (francês) na PUC RS e fez pós para tradutora. Casou-se com um diplomata francês em a974 e foi para a Europa. Perdeu a audição em 1990. Vive atualmente em Montepellier, na França.

    Cristina se formou em Matemática na UFRGS e mora em Porto Alegre.

    Me conta quem voce acha que matou Margit Kliemann. Se voce acha que o comportamento do Euclydes em limpar a cena, não chamar logo a polícia, talvez indicasse que ele matou. Se foi o Luís Fernando e se tiver sido ele, Euclydes saber e acobertar mesmo sabendo que a mãe das suas 3 filhas havia sido brutalmente assassinada, seria menos importante que não manchar o nome da família? ou talvez tenha sido alguma pessoa próxima eles, já que a casa não tinha sido arrombada ou invadida?


Fontes:


Aventuras na História

UNISC

http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2009/resumos/R4-1701-1.pdf

https://sul21.com.br/noticias/2010/10/jornalista-relembra-duplo-assassinato-que-abalou-o-rio-grande-do-sul/

Wikipédia


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